Sábado, 16 de Junho de 2018
A palavra banta Ubuntu vai buscar a sua raiz ao provérbio zulu (da África do Sul) que diz que «uma pessoa é pessoa através de outra gente». O dicionário digital define ubuntu como qualidade que inclui as virtudes humanas essenciais: compaixão e humanidade. […]

UBUNTU

A palavra banta Ubuntu vai buscar a sua raiz ao provérbio zulu (da África do Sul) que diz que «uma pessoa é pessoa através de outra gente». O dicionário digital define ubuntu como qualidade que inclui as virtudes humanas essenciais: compaixão e humanidade.

O conceito filosófico humanista africano – normalmente traduzido literalmente por «sou porque somos» ou «sou por causa de ti» – encerra uma mundividência essencial de interrelação e interdependência que estamos a perder no Norte do mundo com a cultura do individualismo globalizado, auto-referencial e auto-suficiente a que chamo euísmo, e que ameaça alastrar a outras áreas da aldeia global. 

Na África, o conceito de direitos individuais está interrelacionado com os direitos colectivos. A União Africana, por exemplo, tem a Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (com a respectiva Carta) e define os direitos humanos como uma responsabilidade colectiva. 

No contexto comunal africano, um indivíduo não é reconhecido nem tem valor isolado em si, mas é importante enquanto parte de um todo. Daí a necessidade de sublinhar o sentido de pertença pelo nome, língua, traje ou marcas no corpo (escarificações), que sublinham a identidade pessoal ligada ao colectivo a que pertence. 

Para uma cultura em que o indivíduo e os seus direitos são absolutos, é complicado entender a necessidade de inter-relação para sublinhar a identidade pessoal. Mas nem sempre assim foi. Lembro-me da afirmação de John Donne, pensador inglês do século XVII: «Nenhum homem é uma ilha, inteiro de si mesmo. Todo o homem é um pedaço do continente, uma parte do continente.» 

Por trás do conceito de ubuntu está uma ética primordial que aponta para a pertença e solidariedade como base das relações sociais e da própria sobrevivência. O arcebispo sul-africano Desmond Tutu explica que «ubuntu fala da própria essência de ser humano. Quando queremos dar muitos elogios a alguém, dizemos: “Yu, u nobunto”; “Fulano tem ubuntu”. Então é generoso, é hospitaleiro, é simpático e atencioso e compassivo. Partilha o que tem. É dizer: “A minha humanidade está inextricavelmente ligada à tua”.» 

O processo de verdade e reconciliação que o arcebispo anglicano encabeçou na África do Sul, no fim do apartheid, é uma expressão dessa filosofia que põe lado a lado práticas como consenso e reconciliação para curar feridas sociais. 

Aliás, a justiça tradicional africana é mais restaurativa que retributiva e busca consensos. Normalmente nenhuma das partes envolvidas num caso é totalmente inocente nem totalmente culpada. 

Esta filosofia e visão de vida pode ajudar a resgatar a cultura ocidental presa nas enseadas, picos e abismos do individualismo que está a deixar muitas pessoas cada vez mais sozinhas, ensimesmadas e perdidas. A solidão é um dos subprodutos do euísmo que afecta transversalmente todas as faixas etárias a ponto de o Governo do Reino Unido ter de instituir o Ministério da Solidão para responder a essa praga social. 

No fundo, temos de voltar a aprender a arte de viver juntos a aventura da vida como expressão de pertença feliz. Não nos bastamos, mas precisamos cada vez mais uns dos outros; precisamos de ubuntu!