Entrevista a P. Dário Bossi: América Latina e a busca de um modelo econômico pós-extrativista

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Segunda-feira, 20 de Agosto de 2018
“Muitos pensam que não é um problema para um país depender economicamente dos recursos naturais que tem à disposição em seu território”, diz Dário Bossi, missionário comboniano, à IHU On-Line. Entretanto, adverte, a pauta extrativista que visa à exploração de bens naturais propicia ao país “um desenvolvimento instável, fortemente dependente das flutuações dos preços internacionais das matérias-primas, de visão curta e sem futuro, pela finitude dos recursos à disposição”. Publicamos aqui a entrevista exclusiva do padre Dário Bossi à IHU On-Line.

Dário Bossi, padre comboniano, é membro da rede Justiça nos Trilhos e da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.

Lamentavelmente, comenta, essa é a política que tem orientado muitos países da América Latina, que são governados por partidos à direita e à esquerda. A consequência dessa opção, frisa, é que “vários países latino-americanos estão se desindustrializando por achar mais conveniente no curto prazo investir pesadamente no extrativismo. O Brasil está experimentando uma das maiores desindustrializações da história, em um período muito curto: nos anos 80 e 90 o setor industrial representava 35% da produção nacional, mas hoje está abaixo dos 12% e segue em diminuição”.

Na avaliação de Bossi, a América Latina precisa de uma alternativa pós-extrativismo, que “não significa proibir todas as formas de extrativismo, mas sim redimensionar este setor, deixar de depender economicamente dele e manter as operações que sejam realmente necessárias e tenham impactos socioambientais aceitáveis”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Dário Bossi também comenta o Encontro com Afetados(as) pela mineração na América Latina, que foi realizado entre 7 e 10 de agosto, em Brasília, e os impactos ambientais e sociais gerados pela mineração no Brasil.

O grupo Iglesias y Minería é uma rede latino-americana de comunidades cristãs, religiosas e religiosos que, com o apoio de diversos bispos, da Rede Eclesial Pan-Amazônica - Repam, do departamento Justiça e Paz da Conferência Episcopal Latino-Americana - Celam e do Consejo Latino Americano de Iglesias - Clai, articula-se há dois anos para fazer frente aos impactos da mineração.

Entrevista
a P. Dário Bossi

IHU On-Line: Quais foram os temas centrais debatidos no Encontro com Afetados(as) pela mineração na América Latina, que foi realizado entre 7 e 10 de agosto?

Dário Bossi: A rede Igrejas e Mineraçãojá promoveu três grandes assembleias de comunidades afetadas na América Latina. O recente encontro, convocado em Brasília, foi iniciativa desta rede, do Departamento de Justiça e Solidariedade do Conselho Episcopal Latino-Americano - Celam, do GT Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB e da rede Cidse(a aliança internacional das agências católicas para o desenvolvimento).

Tratou-se de um encontro temático, com o objetivo de qualificar e relançar a incidência junto às igrejas a respeito dos graves impactos da mineração, a partir da recente Carta Pastoral do Celam “Discípulos Misioneros, Custodios de la Casa Común”. Essa carta é a contextualização latino-americana da Laudato si’ e é considerada um marco importante para a Doutrina Social da Igreja em nosso continente. Já foi traduzida informalmente para o inglês, o francês e o alemão; por ocasião do encontro de Brasília, a CNBB comunicou oficialmente que será também traduzida em português e divulgada em todas as dioceses do Brasil.

Participaram 35 pessoas, de oito países latino-americanos: leigas(os), religiosas(os) e padres atingidos e/ou comprometidos a serviço das comunidades. Estava presente também dom Sebastião Duarte, bispo presidente do GT Mineração da CNBB. Iluminados e incentivados pela Carta Pastoral, os participantes avançaram na definição dos eixos de trabalho e dos compromissos das igrejas frente às violações e ameaças da mineração nos territórios. Entre eles, relançou-se o empenho da comunicação a serviço das comunidades e sua articulação em rede, o aprofundamento da ecoteologia e da espiritualidade popular que alimenta a defesa da terra, a interação e incidência com as hierarquias das igrejas.

Também foi apresentada a campanha “Desinversão Mineira”, que propõe uma contranarrativa do modelo econômico sustentado pelas grandes empresas e convida as instituições religiosas a retirarem seus investimentos do capital dessas corporações.

Mas o tema mais importante é o compromisso em defesa da vida em cada território local. Foi por isso que nosso encontro em Brasília começou com uma visita a campo, encontrando as comunidades atingidas de Paracatu-MG, e concluiu-se com um envio de todos os participantes às comunidades de base e às suas igrejas locais.

Qual é o atual cenário da mineração no continente latino-americano?

Desde a época colonial nosso continente foi considerado um fornecedor de recursos para o desenvolvimento alheio. Nos anos 90, especialmente, houve uma série de grandes investimentos em mineração na América Latina, tornando esta macrorregião o primeiro provedor mundial de muitos minerais, mas provocando assim consequências em larga escala de dor, morte, doenças, contaminação e destruição, impossíveis de reparar ou compensar. Entre 2004 e 2008, houve o chamado “boom das commodities”, um superciclo de exploração mineira diretamente ligado à expansão da economia chinesa. Nestes poucos anos, as corporações e as médias empresas de mineração aumentaram muito seus lucros e acumularam grandes quantidades de capital. Por ocasião da crise de 2008, começou uma certa estagnação também na economia mineral e uma queda dos preços internacionais dessas commodities. As empresas aproveitaram esse período para preparar condições para novos cenários de expansão, havendo assim pressão das associações empresariais e das corporações transnacionais sobre os poderes públicos de cada estado em vista da desregulação social e ambiental.

No Brasil, consolidam-se lobbies que solicitam abertura da mineração em terras indígenas e flexibilização do código ambiental. É decretado o novo marco legal da mineração, com condições favoráveis à expansão desse setor. Em toda América Latina, há sérios retrocessos em matéria de políticas ambientais e de proteção dos direitos dos povos e da natureza, enfraquecendo-se o direito dos povos e das comunidades à terra e ao território.

Confirma-se evidentemente o papel dos estados a serviço do extrativismo, também através de incentivos financeiros e da legitimação da mineração como um dos caminhos principais para o desenvolvimento. Mais recentemente, os fluxos de investimento em mineração estão se reativando, seja na pesquisa, seja em equipamentos, extração mineral, infraestrutura e plantas de beneficiamento. Com isso, volta a aumentar o número de conflitos territoriais.

O mapa dos empreendimentos mineiros vem quase sempre a coincidir com o mapa destes conflitos. Vejam-se, a título exemplificativo, dois documentos extremamente interessantes: o mapa de conflitos do Observatorio de Conflictos Mineros en América Latina - Ocmal e o Atlas de Justiça Ambiental. Ocmal apresenta a cada ano um estado da situação da mineração e seus conflitos no continente. Pode-se acessar aqui o último relatório, de 2017.

Quais são os principais problemas ambientais e sociais gerados pelo extrativismo na América Latina? Pode nos dar exemplos de implicações sociais e ambientais geradas por essa prática?

Para os leitores(as) entenderem a situação global, prefiro partir de um exemplo concreto: a visita do grupo convocado a Brasília às comunidades atingidas de Paracatu-MG. Todos os participantes destacaram muitas coincidências com as situações vividas em seus países de origem, mostrando assim que a mineração se encaixa num padrão internacional de violações e ameaças à vida.

Desde 1987, funciona em Paracatu a maior mina de ouro a céu aberto do mundo, hoje operada pela companhia canadense Kinross. É a mina com mais baixo teor de ouro entre as que operam no mundo: para conseguir 1 g de ouro é necessário explodir e tratar quimicamente com cianeto 2,5 toneladas de minério! Todo ano, assim, a Kinross explode e retira do solo 61 milhões de toneladas de terra, depositando-as de novo, contaminadas com arsênio, nas represas de rejeitosque circundam a cidade.

A Kinross, em Paracatu, explode e retira do solo 61 milhões de toneladas de terra, depositando-as de novo, contaminadas com arsênio, nas represas de rejeitos que circundam a cidade: Dário Bossi
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Os maiores crimes ambientais
da mineração a céu aberto na América

Ao se completarem quatro anos da contaminação do Rio Sonora no México, o portal Sputnik apresentou os maiores desastres ambientais causados pela mineração a céu aberto nos últimos anos no continente americano.

“Vemos que há um padrão de comportamento das empresas mineradoras em toda a região”, explicou ao Sputnik Julieta Lamberti, da organização mexicana PODER, que acompanha juridicamente os afetados pela contaminação do rio Sonora, que foi causada pela filial do Grupo México, uma mineradora que é propriedade do segundo homem mais rico do México, Germán Larrea Mota Velasco.

A reportagem é de Eliane Gilet, publicada por Sputnik Mundo, em 09-08-2018. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

“Sempre dizem que nos países mais desenvolvidos as mineradoras fazem bem as coisas, porém não é certo, em todos os lados as fazem da mesma maneira e as consequências são as mesmas: derrames, contaminação e um desdém com as populações que vivem próximas da mina, as que chegam lhe prometendo que vão trazer emprego, desenvolvimento, investimento, na realidade o único que deixam é a contaminação, pobreza e falta de acesso aos direitos mais básicos como a saúde e água”, sustentou Lamberti.

Sputnik apresenta os quatro maiores desastres causados por explorações mineiras a céu aberto nos últimos quatros anos:

Mina Mount Polley-Cariboo, Columbia Britânica, Canadá

Na manhã de 4 de agosto de 2014, ocorreu um dos maiores desastres mineiros da história do país do Norte, ao se romper a represa de rejeitos da mina a céu aberto de cobre e ouro, propriedade da empresa de capitais canadenses Imperials Metal Corporation. Como resultado, derramaram 25 milhões de metros cúbicos de lixo tóxico aos lagos Polley e Quesnel, ao arroio Hazeltine e o rio Cariboo.

Segundo informou o jornal The Star, de Vancouver, depois de quatro anos do desastre, a Justiça canadense não apresentou nenhuma cobrança aos responsáveis. A Justiça da província Columbia Britânica anunciou que não apresentaria sanções em sua jurisdição, enquanto que a Justiça Federal canadense sustenta que ainda continua em investigação para sabe se este caso violou ou não, as leis ambientais do país.

Mina Buenavista do Cobre-Arizpe, Sonora, México

Apenas dois dias depois do desastre canadense, a mina Buenavista do Cobre, propriedade da empresa de capitais mexicanos Grupo México, mas operada pela sua filial estadunidense Southern Copper Corporation, derramou 40 mil metros cúbicos de resíduos tóxicos nos rios Sonora e Bacanuchi. Se reconheceu oficialmente que 380 pessoas tiveram sua saúde afetadas porque estavam utilizando essa água no momento do derramamento, em 6 de agosto de 2014, que desde então contaminou o canal do rio.

A água chegou à represa El Molinito, onde se concentra a maior quantidade de resíduos de metais pesados da atividade mineira, causando maior impactos na saúde das populações dos municípios Ures e San Felipe.

Os moradores de Bacanuchi, o mais próximo da mina, esperam uma resolução da Suprema Corte de Justiça da Nação para final de agosto desse ano, que contemple sua voz e rechace uma ampliação da exploração que planeja a empresa.

Mina Germano-Mariana, Minas Gerais, Brasil

Como consequência da ruptura do dique de Fundão, que continha os resíduos da mina, 19 pessoas faleceram quando o lodo tóxico devastou o povoado de Bento Rodrigues, em 5 de novembro de 2015. A empresa Samarco Mineração que operava, é uma filiar das gigantes Vale (de capital brasileiro) e Bhp Billiton (capital australiano-britânico).

Se estima que a empresa derramou entre 40 milhões e 60 milhões de metros cúbicos de barro que, depois de deixar o povoado de Bento Rodrigues, transformou em um lamaçal inabitável, continuou seu caminho por uns 700km, passando pelos rios Gualaxo do Norte e Carmo, até chegar ao rio Doce (no estado vizinho, Espírito Santo) e verter-se no Oceano Atlântico, segundo dados publicados pelo jornal Brasil de Fato. Destruiu na sua passagem parte de vários parques naturais, ademais de irromper no território dos índios krenaks.

Os afetados apresentaram demandas coletivas que seguem em processo, porém até agora o maior crime ambiental da história do Brasil segue impune. Três anos depois do desastre, nenhum dos afetados foi realocado.

Mina Veladero-Jáchal, San Juan, Argentina

A empresa Argentina Gold, filial da mineradora Barrick Gold (de capital canadense) tem uma causa aberta na justiça local derramamento de mil metros cúbicos de uma solução contendo cianeto à desembocadura do degelo da Cordilheira dos Andes, onde nascem vários rios da região. A água contaminada escorreu para o rio Las Taguas, que forma parte da bacia hídrica da qual se abastece Jáchal e outras populações circundantes.

Desde que conheceram o derramamento, que se produziu em 13 de setembro de 2015, os morados da zona fundaram a assembleia “Jáchal no se toca” com a qual impulsionaram os julgamentos e reivindicam pela saída das empresas mineradoras da Província de San Juan.
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