A mística nos leva a escutar o grito da Terra e o clamor desolador de milhões de pessoas

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Quarta-feira, 19 de Setembro de 2018
“A mística é inseparável do trabalho pela justiça”, garantem os teólogos progressistas. “Se nos colocamos do lado das vítimas, fazemos uma opção radical pelas pessoas pobres e pelos povos oprimidos e colaboramos com sua libertação”, afirma a Mensagem final do Congresso de Teologia, realizado em Madrid, nos dias 7 a 9 de setembro. A tradução é de Graziela Wolfart.

Mensagem final do Congresso de Teologia

De 7 a 9 de setembro de 2018 nos reunimos no 38º Congresso de Teologia para compartilhar experiências e refletir sobre “Mística e Libertação”.

1. Começamos nos perguntando se, diante das graves situações de injustiça estrutural, crescimento da desigualdade, maltrato à Mãe Terra, aos povos originários, às mulheres, e depois das dramáticas imagens de pessoas migrantes e refugiadas que morrem afogadas na tentativa de acessar nossas costas, podemos continuar falando de mística. A resposta somente pode ser afirmativa se nos colocarmos do lado das vítimas, fazendo uma opção radical pelas pessoas pobres e pelos povos oprimidos e colaborando com sua libertação.

2. Perguntamos-nos se a mística faz parte da realidade ou é um estado patológico, para responder que é a abertura ao mistério, o descobrimento de Deus no rosto do outro, o conhecimento intuitivo, a saída de si mesmo e o acesso a um novo estado de consciência que possibilite uma visão distinta e transformadora da realidade.

3. Descobrimos que as pessoas místicas não têm nada de passivas. Comportam-se com grande liberdade de espírito, são profundamente críticas com as instituições religiosas e políticas e têm uma grande capacidade de desestabilizar o sistema. Exemplos: Jesus de Nazaré, Paulo de Tarso, Francisco de Assis, Mestre Eckhart, Hildegarda de Bingen, Marguerite Porete, Thomas Müntzer, Teresa de Ávila, João da Cruz, Rumi, Ibn Arabi, Luther King, Simone Weil. Por sua vez, fomos alertados sobre o perigo das pessoas iluminadas, que se dizem místicas.

4. Perguntamos-nos pela relação entre mística e política: Podem estar juntas, caminham paralelamente, são opostas? A mística influi na política? A resposta para a última pergunta foi afirmativa. As pessoas místicas vivem leves de bagagem, relacionam harmonicamente razão e emoção, podem contribuir na criação de uma cidadania livre com capacidade de interiorização, oferecem novos modelos de convivência, trabalham pela eliminação da pobreza e pela erradicação das desigualdades.

5. Observamos que a relação entre mística e política não é arbitrária, nem oportunista, mas intrínseca. Mais ainda, tomamos consciência da necessidade e urgência de uma mística de olhos abertos, coração solidário e amor politicamente eficaz, de uma mística que leva a escutar o grito da Terra, o clamor desolador de milhões de pessoas famintas de pão e de direitos humanos e a lutar por Outro Mundo Possível.

6. A mística é inseparável do trabalho pela justiça. Um dos nomes que a Bíblia hebraica dá a Deus é “nossa Justiça”. A justiça não é, portanto, só um tema político ou jurídico; é também teológico.

7. Descobrimos a contribuição do silêncio contemplativo, pessoal e comunitário, para a luta pela justiça. Um silêncio que potencializa os gritos contra as injustiças, e especialmente contra a pederastia, diante da situação extrema que vivemos tanto em nível de política global como da Igreja católica. O silêncio não é o oposto da ação ou das palavras, mas é fonte de poder, perspicácia e perspectiva; ajuda para que o Espírito, e não o Ego, guie nossas vidas. Não isola das lutas do mundo, mas as abraça em âmbito mais profundo e é essencial para construir um mundo mais justo.

8. O cristianismo é uma religião mística não somente como experiência espiritual individual, mas como experiência política comunitária, que tem seu fundamento na autoridade das vítimas e sua força na compaixão; não foge da realidade, mas nos leva a nos rebelarmos contra a dor inocente e injusta.

9. A mística constitui uma das experiências mais importantes para superar os fundamentalismos religiosos, que se caracterizam pelo fanatismo e pela intolerância em relação àqueles que não pensam e creem como nós e, com frequência, terminam em um terrorismo justificado em nome de Deus.

10. A mística não é uniforme; se caracteriza por um amplo pluralismo, onde reside sua riqueza. Três são os modelos que analisamos neste Congresso com suas afinidades e peculiaridades: o “oriental”, o cristão e o sufi.

11. Comprometemos-nos a viver uma mística em perspectiva feminista, integradora das diferentes experiências religiosas e leigas, que responda aos desafios de nosso tempo, trabalhe pela justiça e contribua  para a construção de uma sociedade fraterno-sororal e uma comunidade eco-humana sem exclusões de gênero, etnia, crença ou descrença religiosa, classe social, procedência religiosa ou identidade afetivo-sexual.

12. Afirmamos, com Raimon Panikkar, que se pode viver harmonicamente uma pluralidade de místicas misteriosamente unificadas; com Leonardo Boff, que as pessoas cristãs devem ser “místicas na libertação”; com Jon Sobrino, que sem prática, o espírito permanece preguiçoso e muitas vezes alienante; com Gustavo Gutiérrez, que o método da teologia é a espiritualidade libertadora; com Juan Bautista Metz, que é necessária uma “mística de olhos abertos”; com Hans Küng, que é preciso alcançar uma mística inter-religiosa; com Dorothee Sölle, que a mística leva à resistência; com Pedro Casaldáliga, que é preciso praticar uma espiritualidade contra-hegemônica. A isso nos comprometemos neste Congresso.
Madrid, 9 de setembro de 2018
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