Sexta-feira, 3 de Maio de 2019
O P. Claudino Gomes, missionário comboniano a trabalhar em Butembo/Kivu, na República Democrática do Congo, escreveu aos amigos por ocasião da Páscoa contando as peripécias da missão e de como o vírus Ébola continua a ameaçar e a matar naquele país africano.

Páscoa 2019
«Conscientes da gravidade da situação»

Caríssimos,
A morte espreita as gentes de Butembo e, mais em geral, do Kivu-Norte. A «realidade», que alguns continuam a pretender negar, chama-se Doença do vírus Ébola. Por um triz, o Congo e a Região não foram postos, há dias, em quarentena mundial… O Director da OMS tem mandato para uma vigilância apertada ao Congo. Vamos ver quanto dura esse «por enquanto»…

As estatísticas de ontem mostram que « desde o início da epidemia, os casos confirmados são 1.224 e os prováveis, 66. Ao todo, houve até agora 833 mortos (767confirmados e 66 prováveis).  Um “caso provável” é aquele em que não foi possível determinar a causa da morte dessa pessoa – no meio de populações que reagem violentamente perante os agentes da «luta» -, por não se ter podido obter amostras biológicas passíveis de análise laboratorial, mas a morte aconteceu em ligação epidemiológica provada com um caso confirmado.

No mesmo período, 379 pessoas ficaram curadas, nos Centros de Tratamento Ébola (CTE). 251 casos suspeitos estão sob investigação.

O Bispo da diocese de Butembo-Beni forte do seu lema «Não podemos ficar calados», por estar em causa a Vida de toda a população e a sobrevivência das paróquias e da diocese, ficou durante muito tempo quase sozinho, na luta contra o obscurantismo negacionista da existência do Ébola. Foi ameaçado de morte, foi agredido, insultado, acusado de conivência com os que ganham muito dinheiro com a «luta». O mesmo aconteceu e ainda acontece aos párocos que, obedecendo ao Bispo, instauram nas instalações paroquiais os procedimentos profilácticos e higiénicos recomendados pela OMS e exortaram as pessoas em risco a acorrerem aos CTE.

Na homilia da 5ª-feira Santa, pronunciada na terça-feira, na Catedral de Butembo a abarrotar de fiéis, voltou a insistir pormenorizadamente nos cuidados a ter e deu ordens peremptórias de os Sacerdotes falarem, nas multitudinárias celebrações pascais, destas normas e de as aplicarem. Mais fez publicar orientações para o Tríduo Pascal: não há «lava-pés», na 5ª-feira Santa; na adoração à Cruz, na 6a-feira Santa, não se poderá tocar nem beijar a Cruz: todos devem fazer a genuflexão. Nos Baptismos, na Vigília Pascal, as unções eram feitas sem tocar o corpo, segundo indicações de acção fornecidas.

Felizmente, agora que o Governo Congolês foi seriamente ameaçado a nível mundial, o Presidente da República, F. Tshisekedi veio passar vários dias aqui no Kivu-Norte, nomeadamente em Goma e em Beni e deu ordens claras no sentido de todos, a começar pelas autoridades, fazerem o que as autoridades de saúde recomendam.

O mesmo Boletim informativo da «Direcção Geral de Luta contra a Ébola» levanta um pouco o véu da esperança. Finalmente, os Chefes Tradicionais (autoridades tribais, as que verdadeiramente são escutadas) do Território de Beni-Lubero, a que pertence Butembo), acabam de lançar conjuntamente «uma mensagem de sensibilização à população e recomendações às Equipas técnicas da «Luta», para se acabar com a epidemia do Ébola» nas áreas da sua jurisdição.

«Conscientes da gravidade da situação», os líderes comunitários «pedem à população que se solidarize e que considerem que a Ébola é uma doença que existe a sério. Por outro lado, pedem às mulheres e à raparigas e meninas, que, conforme aos usos e costumes, são quem se ocupa da higiene e dos cuidados dos doentes, em casa, que deixem de atirar pedras contra as equipas da «Luta contra o Ébola».

Em Lubero, onde, como em Butembo, as actividades das equipas têm vindo a ser duramente atacadas e alguns CTE atacados e queimados com vítimas mortais entre os membros das equipas e os doentes, em Lubero, «o Conselho Territorial da Juventude lançou um compromisso dos Jovens para terminar com a epidemia no próprio território».

Entretanto, acende-se «uma luzinha de esperança em Katwa (onde eu e os nossos Seminaristas fomos receber a vacina) e Butembo», titula o dito Boletim: «Um vento de pânico agitou as zonas de Katwa e Butembo, por causa da aceleração da propagação da epidemia na Comunidade, na sequência dos ataques dirigidos contra os dois CTE da cidade. O aumento da insegurança e da violência contra as equipas da Luta tinha-as impedido de efectuar as intervenções essenciais para quebrar a cadeia de transmissão e abrandar a propagação da epidemia na Comunidade e, de modo particular, o acompanhamento das pessoas em contacto com doentes ou cadáveres, assim como a vacinação e a descontaminação das moradias…

O Dr. Jean-Paul Mundama, Presidente da Comissão de Prevenção em Butembo, constata com satisfação o desmantelamento dos núcleos de resistência mais dura da cidade. Deste modo, a Equipas começam a descobrir os doentes escondidos na Comunidade…

Embora o aumento rápido do número de casos confirmados nas últimas semanas possa causar inquietação, a epidemia, na realidade, está delimitada a certas Áreas de Saúde bem identificadas e não se tem assistido a nenhuma extensão geográfica do vírus.» É pois expectável que «a cadeia de transmissão seja quebrada pouco a pouco, o número de casos comece a diminuir e a epidemia venha a poder ser controlada».

Caríssimos, preferi escrever-vos tudo isto, vindo de fonte segura. O medo é muito, o horizonte não é lindo, mas é como diz o Boletim: «uma luzinha acendeu-se em Butembo». Seja a vitória da vida sobre a Morte, pela poderosa Misericórdia do Pai que ressuscita o seu Filho da morte e pelo empenho a todos os níveis de todos.

VOCAÇÔES – Ontem, começou um estágio vocacional para 11 candidatos à Propedêutica aqui, em Butembo. Ao mesmo tempo, comunicam-me também que dois Propedeutas daqui exprimiram a própria opção de entrar para o Postulantado dos Irmãos, onde colaboro na Formação. Assim, é de prever que, no próximo ano lectivo, venhamos a ter uns 15 Postulantes Irmãos. Entretanto, em Kisangani, os Postulantes ao Sacerdócio Comboniano, que já são 40, deverão aumentar bastante… Daqui, é possível que vão pelo menos seis… Outros, irão de Kinshasa. Graças a Deus. Vale a pena colaborar nas despesas da formação de tantos candidatos.

Que o Senhor Ressuscitado vos encha da Alegria de Evangelizar, na força do Seu Espírito.

P. Claudino Gomes
Butembo (RDC)
Páscoa de 2019