IV Domingo do Tempo Comum (C): “Nenhum profeta é bem recebido em sua pátria”

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Na sinagoga de Nazaré Jesus pronuncia «palavras de graça», palavras de esperança, de salvação. São palavras de graça, «porque mostram e prometem a realização da salvação. A graça de Deus torna-se visível de modo particular em Jesus» (Schürmann). Tudo tinha começado bem em Nazaré, havia as promessas e a esperança de um futuro esplêndido.

 O preço da fidelidade ao Evangelho que anunciamos

Jer. 1,4-5.17-19; Sl. 70; 1Cor. 12,31-13,13; Lc 4,21-30

Reflexões
Na sinagoga de Nazaré Jesus pronuncia «palavras de graça», palavras de esperança, de salvação. São palavras de graça, «porque mostram e prometem a realização da salvação. A graça de Deus torna-se visível de modo particular em Jesus» (Schürmann). Tudo tinha começado bem em Nazaré, havia as promessas e a esperança de um futuro esplêndido. Na sinagoga da terra natal, Jesus tinha-se apresentado bem (Lc 4,16-21, Evangelho de domingo passado), tinha feito suas as palavras de um grande profeta do passado, Isaías, assumindo o seu programa: opção pelos pobres, libertação das doenças e da opressão, e para todos um ano de graça. Os olhos de todos estavam fixos sobre Ele, todos estavam em suspenso (Evangelho), admirados com as suas «palavras de graça» (v. 22). Mas em pouco tempo o cenário muda: à admiração sucede o típico ciúme da aldeia: mas quem julga que é este filho do José? Depois vêm, surpreendentemente, as incompreensões maiores, os insultos, o desdém (v. 28), a rejeição, e até a tentativa de acabar com Ele (v. 29).

Como explicar esta rápida mudança de comportamentos para com um seu conterrâneo, que já era famoso noutros lugares devido aos milagres e aos ensinamentos? É provável, acima de tudo, que tal mudança não se tenha verificado numa só manhã, no arco de poucas horas; pode-se pensar em momentos sucessivos, que depois o evangelista reagrupou, tratando-se de acontecimentos consecutivos em Nazaré. Para Lucas a apresentação de Jesus em Nazaré é uma “ouverture” sobre toda a vida-missão-morte-ressurreição de Jesus: é o seu programa, a opção pelos pobres, a libertação do mal, o ano de misericórdia; e é ao mesmo tempo a desilusão do povo e a progressiva hostilidade para com Jesus, até expulsá-lo para fora da cidade… lançá-lo dali abaixo», mas Ele segue o seu caminho (v. 29-30; cf Lc 9,51). Palavras que aludem à morte no Calvário e à ressurreição de Jesus. Uma outra pergunta: em Nazaré a mensagem e o testemunho de Jesus eram já completos; porque não aceitou concluí-los ali? Sim, havia a mensagem, mas faltavam ainda os discípulos, as testemunhas, a comunidade, a Igreja, que assumissem a missão de continuar no tempo a obra de Jesus.

Na origem da progressiva rejeição de Jesus está a falta de fé n’Ele por parte dos nazarenos e dos seus parentes, como observam os evangelistas (Mt 13,58; Mc 6,6; Jo 7,5). Além disso alguns ficaram desiludidos, porque se deteve a «proclamar o ano de graça do Senhor», sem mencionar o versículo seguinte, acerca do «dia da vingança» de Deus (Is 61,2) para exterminar os opressores. Obviamente Jesus entende essa vingança apenas em termos de misericórdia. Na verdade, Deus não vence o mal usando a violência, mas vence-o com a misericórdia. Mistério novo, difícil! A única luz para o compreender só pode vir da contemplação do Deus-Crucificado. Jesus não se entrega aos sonhos políticos dos seus conterrâneos, pelo contrário distancia-se das suas expectativas puramente humanas. Tal é o sentido dos dois provérbios que cita (v. 23-24) e dos exemplos dos profetas Elias e Eliseu, os quais deram a preferência a estrangeiros (a viúva de Sarepta e o sírio Naamã) em vez de ajudar as viúvas e os leprosos de Israel (v. 25-27). A gente de Nazaré já não tinha gostado que o seu ilustre concidadão tivesse escolhido estabelecer-se em Cafarnaúm, pequena cidade comercial e pagã (v. 23); muito menos gostava que no novo plano de salvação de Deus encontrassem guarida também outros povos. O confronto entre a mentalidade aberta e generosa de Jesus versus a perspectiva egoísta e mesquinha dos nazarenos era pois inevitável. Mas Jesus não renuncia ao seu projecto de salvação universal, aberta a todos.

Este confronto está sempre à espreita. Os evangelizadores sabem que têm de lidar muitas vezes com pessoas com mentalidade tacanha e litigiosa. De rejeições e incompreensões do género está cheia a história das missões e a experiência pessoal de muitos missionários, conscientes de ter recebido uma vocação específica. Foi esta também a experiência de Jeremias (I leitura), que sabia ter sido visto e chamado por Deus desde o seio materno (v. 5). Por isso o jovem profeta sente-se investido da força de Deus «como uma muralha de bronze diante de todo o país, dos reis… dos sacerdotes» (v. 18); «eles combaterão contra ti», mas Deus assegura-lhe: «Eu estou contigo para te salvar» (v. 19). A experiência de se sentir escolhido, amado, enviado e chamado a viver no amor, está na linha dos «dos grandes carismas», a que se refere Paulo (II leitura) o qual conclui que «o maior de todos é a caridade» (v. 13).

É um desafio permanente – o do amor – a viver com coerência e tenacidade, até sofrer também perseguição e morte. Como Jesus, como os Apóstolos, como os grandes missionários e missionárias da história. Como os líderes da não-violência-activa: por exemplo, Gandhi, cuja morte comemoramos a 30/1; Martin Luther King, cujo aniversário recordámos a 15/1; Raoul Follereau, apóstolo dos leprosos e tantos outros profetas do nosso tempo. Hoje rezamos para que o anúncio do Evangelho não arrefeça. Anúncio que se resume no amor, como afirma S. José Freinademetz, missionário do Verbo Divino, que partiu de Val Badia (Bolzano) para a China, onde faleceu (28.1.1908): «A linguagem do Amor é a única linguagem que todos os homens compreendem».

Palavra do Papa

(*) «Os missionários mártires são “esperança para o mundo”, porque testemunham que o amor de Cristo é mais forte que a violência e que o ódio. Não procuraram o martírio, mas estiveram prontos a dar a vida para permanecer fiéis ao Evangelho. O martírio cristão justifica-se apenas como acto supremo de amor a Deus e aos irmãos».
Bento XVI
Angelus dominical (25 Março 2007)

P. Romeo Ballan, MCCJ

Lucas 4,21-30

O trecho do Evangelho de hoje é a continuação da passagem do domingo passado (cf. Lc 4, 14-21). Estamos ainda na sinagoga de Nazaré, o vilarejo onde Jesus foi criado e para onde havia voltado no início da sua pregação na Galileia. Participando do culto da sinagoga no dia de sábado, Jesus escutou a leitura da Toráe, convidado a ler a segunda leitura tirada do profeta Isaías (cf. Is 61, 1-2), fez um comentário, uma homilia sintetizada por Lucas. nas palavras: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura (escutada) que acabastes de ouvir”.

E eis a reação da audiência: “Todos aprovavam Jesus, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca”. Com a sua homilia, Jesus chamou a atenção da audiência, soube despertar o interesse e a admiração, porque as suas palavras também eram “palavras de graça” (lógoi tês cháritos). Assim como o Messias do Salmo 45, Jesus é louvado porque “a graça está espalhada em seus lábios” (v. 3). Portanto, poderíamos dizer que a primeira pregação de Jesus no retorno ao seu vilarejo de origem pareceu inicialmente um sucesso, provocou estupor, mas logo pareceu um “sinal de contradição” (Lc 2, 34).

De fato, o relato sofre uma virada repentina. Aqueles que acabaram de aprovar e “aplaudiram” Jesusdizem: “Este é o filho de José, o carpinteiro que bem conhecemos como nosso concidadão. É um homem, nada mais do que um simples homem comum, nada de mais!”. As palavras de Jesus admiraram aquelas pessoas: a mensagem que ele deu é boa – pensam os habitantes de Nazaré – mas é a mensagem de um homem comum, como se podia ver e se podia descrever conhecendo bem o seu pai, José. O entusiasmo e a admiração não levam à fé em Jesus, porque os presentes, para reconhecer a sua autoridade, não se contentam com palavras: querem sinais, milagres que garantam a sua missão!

Jesus, conhecendo os pensamentos do seu coração (cf. Jo 2, 24-25), passa para o ataque duro, frontal. Não evita conflitos, não o silencia, mas, ao contrário, o faz explodir. “Sem dúvida – diz ele – vós me repetireis o provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo. Faze também aqui, em tua terra, tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum!”.

É uma tentação que Jesus ouvirá ser repetidamente dirigida a si mesmo: aqui entre os seus, mais tarde em Jerusalém (cf. Lc 11, 16) e, finalmente, até na cruz (cf. Lc 23, 35-39). É a demanda de sinais, das ações extraordinárias, de milagres: mas toda a Escritura adverte que precisamente essa atitude é a primeira atitude dos homens religiosos que, tentando a Deus, na realidade, rejeitam-no. Sempre, como escreve Paulo, “os homens religiosos pedem sinais” (cf. 1Cor 1, 22)…

Na verdade, em Cafarnaum, Jesus havia realizado ações de libertação da doença e do pecado, mas estas eram, justamente, apenas “sinais” para manifestar a sua vontade: a libertação de todos os males, a libertação para todos, assim como Jesus acabara de ler no profeta Isaías.

Diante dessa súbita mudança de humor da audiência em relação a ele, do estupor à indignação, Jesus pronuncia algumas palavras cheias de mansidão e, ao mesmo tempo, de pesar, palavras sugeridas pela sua assiduidade às Escrituras, especialmente aos profetas.

Com um solene “amém”, ele emite uma sentença breve, mas eficaz, afiada como uma flecha: “Nenhum profeta é bem recebido em sua pátria”. Jesus a pronuncia com pesar pela rejeição sofrida, mas também com uma alegria interior indescritível, porque, precisamente a partir dessa rejeição, ele recebe um testemunho. Louvando-o pelas suas palavras de graça, eles não lhe davam testemunho, mas, paradoxalmente, agora, rejeitando-o, sim: porque isso ocorre com quem é profetas, com quem traz em sua boca uma palavra de Deus e a entrega a quem escuta.

Jesus, portanto, naquele momento, recebe o testemunho do Espírito Santo que sempre o acompanha e que lhe diz: “Tu és verdadeiramente um profeta, por isso conheces a rejeição!”. Sim, profeta a alto preço, e somente quem conhece a rejeição pelas suas palavras – que podem ser cheias de graça, mas não são acolhidas pela falta de reconhecimento da sua autoridade (exousía) – também conhece a mansa e serena certeza de realizar um serviço não em nome próprio, mas no nome do Senhor; não por interesse pessoal, mas em obediência a uma vocação e a uma missão vividas e sentidas como mais fortes do que a própria  disposição interior e os próprios desejos humanos. Essa é a atitude dos homens de Deus, dos profetas.

Aqui também se deve destacar a tensão entre Nazaré, a pátria, e Cafarnaum, cidade estrangeira para Jesus, mas onde ele encontrará justamente estrangeiros, não judeus que têm uma fé nunca vista por ele em Israel, dentro do povo de Deus (cf. Lc 7, 9): é mais fácil para Jesus agir em espaços estrangeiros do que nos do próprio povo de Deus. Ele sabe muito bem que as Escrituras atestam que essa rejeição também ocorreu para os profetas Elias e Eliseu, e ele diz isso.

Foi uma viúva estrangeira, de Sarepta na Sidônia, que acolheu o primeiro e que lhe deu comida no tempo da carestia e da fome (cf. 1Re 17, 7-16). Quanto a Eliseu, ele curou um estrangeiro, Naamã, o sírio (cf. 2Re 5), enquanto não conseguiu purificar nenhum dos leprosos pertencentes ao povo eleito.

Com essas palavras, Jesus, na sua missão, faz cair toda fronteira, todo muro de separação: não há mais uma terra santa e uma profana; não há mais um povo da aliança e os outros excluídos da aliança. Não: há uma oferta de salvação dirigida por Deus a todos. Ou, melhor, o Deus de Jesus ama os pagãos porque tem como que nostalgia deles, que, durante os séculos, permaneceram longe dele. Jesus, portanto, vai buscá-los, encontrá-los e acha neles uma fé-confiança que lhe permite aquela ação libertadora para a qual ele havia sido enviado por Deus.

Essas palavras de Jesus, que atestam o fim dos privilégios de Israel e a acolhida dos gentios, não podiam deixar de aumentar a rejeição a ele e desencadear ainda mais a ira contra ele: “Levantaram-se e o expulsaram da cidade. Levaram-no até ao alto do monte sobre o qual a cidade estava construída, com a intenção de lançá-lo no precipício”.

É a violência que não suporta quem revela a sua fonte no coração humano… Desse modo, Jesus faz uma primeira experiência daquilo que acontecerá a ele quando chegar o tempo do seu ministério em Jerusalém. Jesus é perseguido pela ira dos homens religiosos que não aceitam o rosto de Deus pregado e revelado por ele, um homem não investido de autoridade por parte das instituições sagradas: tentam expulsá-lo já no início do seu ministério, ainda na Galileia, na sua casa.

Mas, para Jesus, ainda não chegou o tempo da paixão e, assim, simplesmente, com coragem e liberdade, “passando pelo meio deles, continuou o seu caminho” na direção de Cafarnaum (cf. Lc 4, 31). “Transiens per medium illorum ibat”, atesta a Vulgata. Jesus que “passa pelo meio”, que “passa fazendo o bem” (cf. At 10, 38), que passa causando entusiasmo, mas também rejeição.

Ontem como hoje, “Jesus passa pelo meio e vai”, mas nós não nos damos conta disso… Ele passa pelo meio da sua Igreja, mas vai além da Igreja; como Elias, como Eliseu, ele está entre os pagãos que Deus ama.

Essa imagem é cara para Lucas: Jesus passa e vai. E a Herodes, que gostaria de impedi-lo, manda dizer: “Vão dizer a essa raposa – Jesus nunca o nomeia! –: eu expulso demônios, e faço curas hoje e amanhã; e no terceiro dia terminarei o meu trabalho. Entretanto preciso caminhar hoje, amanhã e depois de amanhã, porque não convém que um profeta morra fora de Jerusalém” (Lc 13, 32-33).

Até que chegue a hora dos adversários, “o poder das trevas” (Lc 22, 53), Jesus caminha, vai, mas já agora está pronto! No quarto Evangelho, aquilo que acontece aqui em Nazaré está sintetizado nas palavras do prólogo: “A Palavra veio entre os seus, e os seus não a acolheram” (Jo 1, 11).
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