P. Manuel João Pereira Correia: “A minha reflexão dominical – A abelha e as moscas”

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Domingo, 30 de Outubro de 2022
O P. Manuel João Pereira Correia continua a surpreender-nos com as suas reflexões. Este missionário comboniano – que, nesta altura, já só consegue mexer os olhos e é só com os olhos que consegue escrever o que aqui podemos ler –, continua a ajudar-nos a alargar o horizonte e a vermos mais longe. Boa leitura e boa reflexão!
(comboni2000)

A ABELHA E AS MOSCAS
A minha reflexão dominical sobre o evangelho de Zaqueu

Que giro este Zacchaeus! Um homem rico desonesto, quase de certeza. Um colaborador com os invasores romanos. Um cobrador de impostos. Um publicano, ou seja, um pecador público, um impuro. Quatro boas razões para não ser bem visto, visto com desconfiança, uma pessoa a ser evitada, desprezada! E, no entanto, atrai a atenção e a simpatia de Jesus. Que pára e decide ser convidado por este homem, provocando murmurações e escândalos de todos.

Em suma, Zaqueu parece-me um personagem interessante, sobre o qual vale a pena parar a reflectir. Ele poderia servir-nos de espelho para reflectirmos e nos conhecermos melhor uns aos outros. Por outro lado, São Tiago convida-nos a olharmo-nos no espelho da Palavra (Tiago 1, 22-25). Aqui estão quatro possíveis olhares que vos proponho.

1. ZAQUEU... O PURO!

O seu nome Zacchaeus, em hebraico Zakkài, é a forma abreviada de Zekharyàh, que significa "Deus lembra-se". Deus no seu tempo tinha-se lembrado do sacerdote Zachariah e visitado a sua casa trazendo aí a alegria de uma criança, João Baptista. Agora ele lembra-se de Zaqueu.

Mas o adjetivo zak também significa limpo, lavado, puro! Ironia do destino para um pecador! Só Jesus vê neste homem uma parte limpa, uma abertura de luz. Cada coração conserva nas suas profundezas um raio da sua beleza original. Onde há uma abelha há certamente uma flor, mesmo no meio do lixo. Lá a abelha vai pousar-se, orientar o seu olhar. Se houver um belo prado florido, o olho da mosca procura, em vez disso, estrume. Estas são duas formas opostas de olhar. Infelizmente, o nosso olho é muitas vezes o da mosca quando olhamos para as pessoas. Jesus, Deus, por outro lado, é como uma abelha que vê o bem em nós, mesmo no meio da imundície, e o recolhe para fazer o mel do Amor. Jesus vê o bem que está em Zaqueu, a multidão, as moscas à sua volta vêem apenas o mal.

2. A CORRIDA DE ZACCHAEUS

O evangelho diz que Zaqueu "correu à frente" para encontrar uma boa posição de onde podia ver Jesus. Estou impressionado com a sua curiosidade, a sua capacidade de não desistir face aos obstáculos; procura fazer alguma coisa, não espera que as coisas aconteçam, cria oportunidades de sucesso! Ele não se limita a pôr-se na ponta dos pés, e a esticar o pescoço. Ele corre, mesmo que isto seja impróprio para uma pessoa da sua categoria, de uma pessoa atenciosa e digna! Olhando-me no espelho de Zaqueu, vejo-me demasiado condicionado pelos julgamentos dos outros, pelo "que as pessoas dirão", pelo politicamente correcto.

3. O SICÓMORO DE ZACCHAEUS

E como era pequeno em estatura "para poder ver Jesus, subiu a um sicómoro". O sicómoro (Ficus sycomorus) é uma grande árvore que cresce em África e no Médio Oriente, hoje em dia bastante rara, e produz uma espécie de figos grandes. Para turistas e peregrinos, o 'Zacchaeus's sycamore!' ainda pode ser visto em Jericó.

É uma cena algo embaraçosa, Zaqueu escalando um ramo desta árvore, como um rapaz de rua. As pessoas terão certamente rido dele: Olhem para Zaqueu! E o próprio Jesus terá sorrido, olhando para ele.

Figurativamente falando, todos nós somos pequenos em estatura. E pergunto-me qual será o meu sicómoro para que possa ver melhor, não tanto a multidão ou a procissão das pessoas, mas Jesus. Caso contrário, com tantos obstáculos que encontramos, dificilmente poderei vê-lo quando ele passar pela minha vida, por muito que eu possa esticar o pescoço. Deixar-me-ei arrastar pela multidão, sem horizonte diante de mim.

O grande poeta Eugenio Montale, na sua busca pessimista do sentido da vida, tomando a sua deixa precisamente da figura de Zaqueu, escreveu: 'É uma questão de subir ao sicómoro/ para ver o Senhor/ se ele alguma vez passar. / Ai de mim, não sou um escalador,/ e até de pé na ponta dos pés,/ não o vi'. Sim, ver o Senhor requer curiosidade e capacidade de escalar!

4. A PRESSA

O que mais me surpreende nesta passagem é a sensação de pressa que a permeia: 'Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de parar em tua casa. Desceu à pressa e recebeu-o cheio de alegria". Pressa e alegria! A alegria da surpresa, o espanto de ser visto por Jesus! Este súbito encontro de olhares tem um poder esmagador sobre ele, traz consigo uma conversão impensável: "Zaqueu levantou-se e disse ao Senhor: 'Eis que, Senhor, dou metade do que possuo aos pobres e, se roubei a alguém, devolvo quatro vezes mais'. Mamma mia, inacreditável!

Perante a prontidão de Zaqueu e a sua capacidade de agarrar as oportunidades como elas se lhe apresentam, penso na minha própria lentidão, nas minhas dúvidas e hesitações, nos meus atrasos e procrastinações, na minha preguiça!

E olhando para o estilo de Jesus, penso espontaneamente no nosso estilo pretensioso de abordar as pessoas: "Ei Zaqueu, desce do teu cavalo alto, que temos de conversar! Como é que já não vens à igreja"? Sim, demasiado clericalismo, demasiada pregação e moral debitada aos outros, quando se gostaria de mais humanidade e uma abordagem amigável!

Em conclusão, olho-me no espelho de Zaqueu e sinto um certo sentimento de vergonha. Se fosse um teste, um exame, eu quase de certeza reprovaria. Consola-me e dá-me esperança de olhar para outro espelho, aquele em que Zaqueu foi espelhado: Jesus. É este espelho que tem um poder especial, como diz São Paulo: "E todos nós, com olhar destapado, reflectindo como num espelho a glória do Senhor, estamos a ser transformados nessa mesma imagem, de glória em glória, de acordo com a obra do Espírito do Senhor" (2 Coríntios 3:18).
P. Manuel João
Castel d'Azzano, 30 de Outubro de 2022

(comboni2000)