Terça-feira, 21 de Junho 2016
A “quadrilha” é uma dança típica do nordeste do Brasil, que combina de modo espectacular dança e teatro. Os temas que escolhem tanto podem ser lúdicos como políticos. No ano passado, os missionários combonianos de Açailândia, no Brasil, fizeram amizade com alguns membros de uma dessas quadrilhas, “Matutos do Rei”, propondo-lhes como tema para 2016 a história da luta da comunidade de Piquiá de Baixo, uma população vítima do inquinamento siderúrgico e da extracção do minério de ferro. O tema escolhido “Verdade e Amor se encontrarão, Justiça e Paz se abraçarão” é agora visível num espectáculo deslumbrante e provocador, que nos mostra quanto a beleza da arte se pode fundir com a resistência popular. Para ver o vídeo completo do show, clique aqui.

A luta de Piquiá de Baixo vem sendo conhecida ano após ano dentro e fora do Brasil. É grito de uma comunidade injustiçada pelo progresso poluído e a desordem gananciosa do capital da mineração e siderurgia.

Como dar voz a essa comunidade, para que ecoe ainda mais o clamor de suas manifestações de protesto, de suas reivindicações por saúde, moradia e vida?

Como evitar que, mais uma vez, as periferias de nosso País sejam consideradas como zonas de sacrifício, regiões de pessoas pobres, fáceis de iludir com a promessa de desenvolvimento?

O que acrescentar à mobilização popular, para confirmar a dignidade de quem defende os direitos coletivos e empoderar uma comunidade que busca justiça e paz?

A beleza. Contra toda sedução efêmera, a beleza se abraça à resistência e torna a luta do povo inesquecível, contagiosa. Deus abençoe: que essa beleza abra uma nova visão até para quem nem quer olhar nos olhos de suas vítimas!

Tateando atrás dessa intuição, a quadrilha junina “Matutos do Rei” de Açailândia-MA ofereceu sua arte de quadrilha estilizada à causa da comunidade de Piquiá de Baixo, bairro daquele município.

Há dez meses o grupo se debruça sobre esse tema. É um grande desafio recolher num curto espetáculo de 25 minutos quase dez anos de história de luta de centenas de pessoas.

Acontece como num namoro: quando há paixão, as forças se multiplicam, o cansaço parece desaparecer... a esperança é tão intensa que ultrapassa o horizonte. Mais de cento e vinte jovens da cidade se apaixonaram por esse desafio e abraçaram a causa de Piquiá de Baixo.

Alguns nem conheciam a história desse povo, outros que vêm daquela própria comunidade dançam e cantam com ainda mais razão: “Povo: força, festa e fundação! Há de rebentar sempre novo dia, rebentando o amor!”.

A quadrilha estilizada, para quem não conhecer esse gênero, é uma recriação da tradicional quadrilha junina do nordeste, unindo às raízes culturais da quadrilha matuta a criatividade de um conto de amor dramático, romântico ou satírico e o vigor de figurinos, cenografias e coreografias próximas ao gênero carnavalesco.

A aliança entre os jovens “brincantes” e a comunidade em luta para o reassentamento coletivo, livre da poluição, foi selada numa tarde de domingo, quando esses dois grupos de “guerreiros” se apresentaram entre si; os moradores de Piquiá de Baixo colocaram no dedo de cada jovem um anel de tucum, compromisso por justiça e pela vida dos mais pobres.

Numa sequência de 13 músicas e coreografias, alternadas a trechos de narração teatral, conta-se a indignação dos moradores de Piquiá de Baixo, a sedução das empresas, o perigo da divisão da comunidade, o drama de decidir se permanecer ou lutar coletivamente em busca de uma nova vida longe da fumaça. Uma coroa feita de colheres brilha na cabeça de cada brincante: representa o povo rei de si, empoderado pela fome de justiça. A quadrilha já dançou em frente a juízes e promotores de justiça na cidade de Açailândia, apaixonou milhares de pessoas ganhando no Arraial da Mira na cidade de Imperatriz e agora segue para se apresentar em outras cidades do Maranhão e do Brasil.

A cada batida de sua dança no tablado do arraial, sente-se o ritmo da luta de todas as comunidades que não se resignam, que levantam a cabeça e se afirmam em seus territórios.
Piquiá de Baixo: reassentamento já!
Assista aqui ao vídeo da apresentação da quadrilha em Imperatriz.
Dario Bossi