Justiça nos Trilhos e o combate aos impactos da mineração em contexto de pandemia da COVID-19

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Terça-feira, 23 de Junho de 2020
Passados mais de dois meses desde as primeiras mortes por COVID-19 no Brasil, o país continua com números crescentes de infectados e novos óbitos a cada dia. De acordo com o Ministério da Saúde, foram contabilizados, até a data de hoje, 555.383 casos confirmados e um total de 31.199 mortes.
[Ver anexo. Foto: Avvenire/Reuters]

Nesse contexto queremos comunicar aos nossos parceiros/as, que mudamos nossa rotina, transformamos as formas como vivenciamos nossos laços comunitários. Continuamos com a missão de atuar no fortalecimento de comunidades urbanas, rurais, quilombolas e indígenas, especialmente aquelas que sofrem os impactos da exploração mineral.

Em um momento de crise humanitária mundial estamos atuando para denunciar a continuidade das atividades de mineração no Pará, Maranhão e no Brasil todo. No dia 28 de março de 2020, o Governo Federal, por meio da Portaria nº 135/GM, autorizou o setor da mineração a manter suas atividades, entendo-a como “atividade essencial”. Posteriormente, em 28 de abril de 2020, reafirmou o caráter de essencialidade "das atividades de lavra, beneficiamento, produção, comercialização, escoamento e suprimento de bens minerais", por meio do Decreto 10.329.

No estado do Pará, região amazônica, onde a Vale é responsável pelo seu maior projeto de Mineração, o S11D, foi confirmada a primeira morte de um funcionário da mineradora no dia 10 de abril de 2020. Em contradição à orientação de isolamento social dada pela Organização Mundial de Saúde, empresas de mineração continuam com suas ações garantindo aglomerações de trabalhadores, colocando em risco não só as vidas destes como de suas famílias e de todos os moradores e moradoras das comunidades do entorno das mineradoras.

Em Minas Gerais, com a obrigatoriedade da realização de testes para que as empresas de mineração continuem operando, se confirmou o aumento do número de infectados em cidades onde há essa atividade econômica, como Mariana por exemplo [Trabalhadores contaminados fazem explodir casos de COVID-19 em Mariana]. No estado do Pará a mineração também contribuiu para a disseminação do vírus entre trabalhadores e comunidades, de Acordo com o Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM): “Parauapebas, Canaã dos Carajás e Marabá, três dos municípios mais minerados do país, encabeçam a lista dos que mais sofreram com a Covid-19 no sudeste paraense” [Sudeste do Pará vê crescente de óbitos pela Covid-19 com mineração a todo vapor]. De acordo com a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, “Embora tenha paralisado operações no Canadá e na Malásia, a Vale, como outras mineradoras, se recusa a interromper atividades no Brasil”.

As comunidades ao longo da Estrada de Ferro Carajás, com as quais a Justiça nos Trilhos atua, continuam sofrendo os impactos das atividades da empresa na região. Os trens da Vale que carregam milhões de toneladas de minério de ferro, de Carajás para o litoral do Maranhão, continuam atravessando as comunidades. No dia 27 de abril, um jovem foi atropelado pelo trem e morreu em Santa Rita. Mais uma vida tirada de forma bruta pela ganância da exploração mineral. (Link para a notícia).

Também é nessas mesmas comunidades que vivem pessoas com problemas de saúde relacionados à emissão de poluentes, a passagem diária dos trens de carga com vagões abertos, a ausência de políticas públicas e a dificuldade de acesso à saúde. Com o avanço do coronavírus essas problemáticas foram intensificadas. A chegada do vírus em uma comunidade indígena, quilombola, pequenos povoados rurais pode representar uma tragédia incalculável.

Outro caso preocupante é a comunidade de Piquiá de Baixo, no município de Açailândia (MA), que tem sofrido com a constante poluição gerada pelo pólo industrial instalado no entorno da comunidade, o que já gera problemas respiratórios nos/as moradores/as, deixando-os/as mais vulneráveis aos sintomas mais críticos em caso de contaminação pelo novo Coronavírus. Até o momento de fechamento deste texto foram registrados oficialmente 1420 casos no município de Açailândia com 29 mortes. Em todo o estado do Maranhão são 36.625 casos positivos com 992 mortes. Entretanto sabemos que existe um alto índice de subnotificações em todo o país.

A Justiça nos Trilhos tem se articulado com movimentos sociais, entidades e organizações de defesa dos direitos humanos, em âmbito local, regional e nacional, para manifestar nossas críticas à manutenção da atividade mineral no período de pandemia. Nosso desafio de atuar junto às comunidades urbanas, rurais, quilombolas e indígenas tem sido primeiramente garantir a segurança dessas populações, tendo em vista que ao manter a circulação de nossa equipe pelas comunidades poderíamos ser um foco de transmissão do novo coronavírus. Por pensar no bem-estar dessas comunidades e da nossa equipe, decretamos quarentena dos trabalhos de campo, mantendo apenas presença física na comunidade de Piquiá de Baixo, que em março sofreu com enchentes e desde então necessita de apoios emergenciais.

Nas demais comunidades estamos mantendo contato com lideranças comunitárias por telefone, whatsapp e outras redes, para traçar estratégias locais de enfrentamento à Covid-19, durante esse período de isolamento social. As ações têm buscado produzir peças de comunicação (Cards, spot de rádio, pequenos vídeos, panfletos, informes em carros de som) com informações sobre o avanço da Covid-19 e as medidas de segurança para não se contaminar, doações de máscaras de pano, assessoria para conseguir o auxílio emergencial destinado pelo Governo Federal e, em situações de maior vulnerabilidade social, também temos distribuído cestas básicas, para garantir a subsistência das famílias nesse período de pandemia.

Atuar nesse novo cenário tem sido desafiador para nossa equipe, ainda mais tendo que enfrentar a postura do atual Presidente da República, que vai contra as orientações da Organização Mundial da Saúde pra o combate ao coronavírus. No Brasil temos o vírus e o presidente como inimigos da população. Esse tem incitado a população a quebrar o isolamento social e insistido em adotar a Cloroquina como cura para o vírus (mesmo com pesquisas científicas que comprovam os riscos para a saúde), o que contribuiu para o agravamento da crise sanitária no país. Depois de duas trocas no Ministério da Saúde, estamos agora com um ministro provisório, um militar.

Outro desafio que encontramos é o avanço das fakenews em um contexto de calamidade pública. A imprensa tem o papel primordial de informar a sociedade e, com a Covid–19 se propagando cada vez mais, esse papel se coloca dentro do princípio de garantir a vida humana, porém há muita informação falsa circulando que provoca confusão na população e dificulta o trabalho de combate ao vírus no país. Por isso estamos também fornecendo informações qualificadas para as comunidades que acompanhamos no intuito de garantir que elas tenham as dados corretos e sejam replicadoras de informações verdadeiras e combatam, também de forma particular, o avanço das fakenews em seus territórios.

No âmbito nacional temos atuado como organização integrante da “Campanha Mineração não é essencial. A vida Sim!” que tem o objetivo de pautar a defesa da vida de forma integral e afirmar que nesse momento é ainda mais urgente questionar as atividades de mineração. Para acessar mais informações sobre essa campanha, vejam o manifesto que foi lançado no dia 29 de maio de 2020.

No âmbito local criamos, juntamente com outras entidades e movimentos sociais do município de Açailândia (MA), o Observatório Popular de Açailândia para Covid-19, que tem como objetivo monitorar os impactos da pandemia na vida dos açailandenses, sobretudo entre os mais vulneráveis e, com base no respeito incondicional às pessoas, garantir a verdade e a transparência nas informações neste período. A proposta é contribuir na prevenção da doença, garantir um espaço para o registro de informações sobre a pandemia, assegurar mais um canal da sociedade civil para o controle social das políticas públicas direcionadas ao enfrentamento e, é claro, estimular laços de solidariedade, cuidados coletivos, pressão e denúncias de situações que violam os direitos humanos.

Seguimos nesse enfrentamento agradecendo aos parceiros/as. É graças a esse apoio que conseguimos transformar nossas formas de articulação com as comunidades e atender às novas demandas delas neste contexto de pandemia.

Acreditamos em um futuro pós pandemia que valorize mais os modos de vida das comunidades, os conhecimentos ancestrais e o cuidado com a nossa casa comum.
Atenciosamente,
Justiça nos Trilhos