Estamos chegando ao fim do ano litúrgico. Restam ainda três domingos, durante os quais vamos ouvir o último discurso de Mateus, o discurso escatológico, onde o evangelista nos conta em três parábolas, a chegada ou a vinda do Cristo ressuscitado, no final dos tempos, ou melhor, no final das nossas vidas. (...)

Há um amanhã que é demasiado tarde!

Vigiai, porque não sabeis o dia nem a hora!
Mateus 25,1-13

Nos três últimos domingos do ano litúrgico, a Igreja convida-nos a meditar sobre os “últimos tempos”, os do regresso do Senhor, seu Esposo. Neste ano, em que o evangelho de Mateus nos acompanhou, concluiremos com o último dos cinco discursos que estruturam o seu evangelho, o discurso escatológico (do grego eschaton, a realidade última). Num contexto de convite à vigilância, Mateus oferece-nos três parábolas de Jesus sobre o que significa estar vigilante: o servo fiel e prudente que espera o regresso do seu senhor (que não leremos), as dez virgens (parábola de hoje) e a parábola dos talentos (próximo domingo), concluindo com o juízo final (domingo de Cristo Rei).

Uma lâmpada na noite

A parábola não é simples porque tem alguns traços improváveis. Isso faz parte do estilo das parábolas, que muitas vezes introduzem algo que vai contra o senso comum e a lógica da realidade, a fim de chamar a atenção para a mensagem final. 

O reino dos Céus pode comparar-se a dez virgens, que, tomando as suas lâmpadas, foram ao encontro do esposo”. Dez simboliza a totalidade. As dez virgens representam toda a gente. A nossa vida é uma saída ao encontro do Esposo, conscientes ou não. Mas é noite, uma noite longa. Precisamos de uma lâmpada para afastar a escuridão, pelo menos o suficiente que nos permita dar um passo em frente. É a luz da fé. “Lâmpada para os meus passos é a Tua palavra, luz para o meu caminho” (Salmo 109). 

Cinco eram insensatas e cinco eram prudentes”. Há uma maneira de viver como insensatos e outra como prudentes/sapientes. E aqui se divide em duas partes distintas: a humanidade inteira, crentes e não crentes. Devemos perguntar-nos: a qual destas duas partes pertencemos? E não se trata de uma pergunta qualquer, mas de uma antecipação do exame final da nossa existência: uma vida realizada, “sensata” isto é, com sentido, ou uma vida irremediavelmente desperdiçada, “insensta”, sem sentido! O mundo não está dividido entre ricos e pobres, entre inteligentes e ignorantes, entre patrões e servos, mas entre pessoas insensatas e pessoas sapientes!

Em que consiste a insensatez e a sapiência? “As insensatas, ao tomarem as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo, enquanto as prudentes, com as lâmpadas, levaram azeite nas almotolias”. A diferença parece pequena, insignificante, mas revelar-se-á decisiva. Sem alimentar a lâmpada, a luz apaga-se e a escuridão da noite invade a vida. No final do Sermão da Montanha, Jesus diz que o insensato constrói a sua casa sobre a areia e o prudente ou sábio sobre a rocha (Mateus 7,24-27).

Como o esposo se demorava, começaram todas a dormitar e adormeceram”. Todas foram vencidas pelo sono! Mateus está certamente a pensar na sua própria comunidade, no final do primeiro século, que tinha aderido à fé com entusiasmo, mas que, vencida pelo cansaço da longa espera do regresso do Senhor, esmorecera. São Pedro ilustra bem esta situação de crise: “Onde está a sua vinda, que prometeu? Desde o dia em que os nossos pais fecharam os olhos, tudo continua como no princípio da criação!” (2 Pedro 3,4). Este pode ser também o nosso sentimento. Basta olhar para tantas das nossas comunidades cristãs, adormecidas, sem entusiasmo, desiludidas.... Depois do Concílio Vaticano II, esperava-se uma nova primavera para a Igreja, mas os ventos impetuosos do secularismo e dos escândalos sufocaram-na. Esperava-se que a guerra e a fome se tornassem memórias distantes do passado, mas esses pesadelos voltaram. Em tudo isto, Deus parece cada vez mais ausente. À pergunta do profeta: “Até quando?”, a resposta continua a ser: “O justo viverá pela sua fé!” (Habacuc 2,4). “Mas será que o Filho do Homem, quando vier, encontrará fé sobre a terra?” (Lucas 18,8).

Lâmpadas sem azeite

No meio da noite ouviu-se um brado: ‘Aí vem o esposo; ide ao seu encontro’. Então, as virgens levantaram-se todas e começaram a preparar as lâmpadas”. No meio da noite do mundo, um grito! Como o da noite do Êxodo (Sabedoria 18,14-15). Queremos prever tudo, planear tudo, mas há acontecimentos que nos apanham sempre de surpresa! Então, a verdade da nossa vida será revelada: se o nosso sono foi o sono dos insensatos ou o sono de um coração enamorado: “Eu durmo, mas o meu coração vigia” (Cântico 5,2). 

As insensatas disseram às prudentes: ‘Dai-nos do vosso azeite, que as nossas lâmpadas estão a apagar-se’. Mas as prudentes responderam: ‘Talvez não chegue para nós e para vós. Ide antes comprá-lo aos vendedores’”. O que significa o azeite? Embora todos concordem que a lâmpada é a fé, há opiniões diferentes sobre o azeite. A maioria pensa em obras de caridade ou em pôr em prática a Palavra de Deus. Cada um de nós pode pensar qual será o “azeite” de que precisa para alimentar a chama da sua vida. Esse “azeite” só tu o podes obter. Não o podemos receber “por procuração”!

Uma porta fechada, um hoje sem amanhã!

Mas, enquanto foram comprá-lo, chegou o esposo. As que estavam preparadas entraram com ele para o banquete nupcial; e a porta fechou-se. Mais tarde, chegaram também as outras virgens e disseram: ‘Senhor, senhor, abre-nos a porta’. Mas ele respondeu: ‘Em verdade vos digo: Não vos conheço’”. A parábola retoma o que Jesus tinha dito no Sermão da Montanha: “Nem todo aquele que me diz: "Senhor, Senhor", entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus” (Mateus 7,21-). “E a porta fechou-se”! “Batei e abrir-se-vos-á!” (Lucas 11,9-10). Demasiado tarde! É o fim de todas as oportunidades! Não é verdade que “nunca é tarde demais”! “O melhor tempo da vida passa-se a dizer "é demasiado cedo", depois "é demasiado tarde"” (Gustave Flaubert).

Portanto, vigiai, porque não sabeis o dia nem a hora!” A vida desenrola-se no “hoje” da nossa vida. “Eis agora o tempo favorável, eis agora o dia da salvação!” (2 Coríntios 6,2). “Exortai-vos, pois, uns aos outros todos os dias, enquanto durar este dia” (Hebreus 3,13). “O que é específico do cristão?” - pergunta São Basílio. “Estar vigilante todos os dias e todas as horas e estar pronto para fazer plenamente a vontade de Deus, sabendo que na hora em que não pensamos o Senhor vem”.

P. Manuel João Pereira Correia 
Verona, Outubro de 2023

Mateus 25,1-13
Sobre a reserva de óleo

Raymond Gravel

Referências bíblicas: Primeira leitura: Sb 6, 12-16; Evangelho: Mt 25, 1-13.

Estamos chegando ao fim do ano litúrgico. Restam ainda três domingos, durante os quais vamos ouvir o último discurso de Mateus, o discurso escatológico, onde o evangelista nos conta em três parábolas, a chegada ou a vinda do Cristo ressuscitado, no final dos tempos, ou melhor, no final das nossas vidas.

  • Primeira parábola: as dez mulheres convidadas para o casamento (hoje).
  • Segunda parábola: os talentos, ou seja, os bens confiados a nós, até o retorno de Cristo (próxima semana).
  • Terceira parábola: o Juízo Final, no domingo de Cristo Rei.

Hoje, portanto, a parábola das dez mulheres convidadas para as núpcias. É uma parábola curiosa que levanta mais perguntas do que respostas. Além disso, há uma mensagem importante que devemos descobrir.

1. Seis observações sobre a parábola:

1) Diz-se que havia dez mulheres, cinco previdentes e cinco insensatas. Muitas vezes há um julgamento moral sobre as mulheres da parábola: as previdentes são dadas como exemplos e as insensatas são tratadas como loucas. Não deve fazer a parábola contar o que ela não quer dizer; se cinco delas são previdentes, é porque elas fizeram uma reserva de óleo, para as suas lâmpadas… ao passo que as outras cinco simplesmente não previram óleo para a reserva. A comparação não deve conter juízos morais sobre a qualidade das mulheres.

2) É uma questão de riqueza ou de pobreza para que as cinco mulheres tenham óleo em reserva e que as outras cinco não o tenham? Não! Porque as cinco insensatas vão comprar óleo com comerciantes. Portanto, se elas não o tinham não é por uma questão financeira.

3) Por que as previdentes não quiseram compartilhar seu óleo com as outras? Como caridade cristã, não é um bom exemplo… Então, para compreender esta realidade, precisamos ver quem são os personagens da parábola: o noivo é o Cristo ressuscitado e mulheres convidadas para o casamento, são a Igreja, somos nós cristãos que devemos manter nossas lâmpadas acesas para a vinda do noivo, isto é, para o momento do nosso encontro com ele. De fato, na Igreja, todos e todas temos a responsabilidade de deixar nossa lâmpada acesa. Podemos aprender com os outros, podemos acender a nossa lâmpada a partir da lâmpada de uma outra pessoa, mas o caminho de cada um é pessoal, e é aí que está o óleo para a nossa lâmpada para iluminar. Ninguém pode fazer isso por nós.

4) É compreensível que as cinco previdentes não possam compartilhar seu óleo com as outras. Mas se elas eram tão previdentes, porque não advertiram as outras, para obter óleo em reserva antes que o noivo chegasse? Mais uma vez, o caminho de cada um, na Igreja, é pessoal, e não podemos responder pelos outros, para que isso aconteça mais rápido. É como regar uma planta; não é puxá-la que ela vai crescer mais rápido. Não podemos colocar a responsabilidade sobre as costas das previdentes porque as insensatas ficaram sem óleo.

5) Para mostrar o lado humano e limitado das dez mulheres da parábola, portanto, de todos os membros da Igreja, como o noivo demora para chegar, todas elas dormiram e é à voz que grita “O noivo está chegando. Saiam ao seu encontro” (Mt 25, 6), que todas elas se acordam para preparar as suas lâmpadas.

6) Por que o noivo é tão duro para com as insensatas? Ele vai se recusar a deixá-las entrar no salão das núpcias, embora tivessem sido convidadas como as outras? “Eu não vos conheço” (Mt 25,12). O que devemos entender disso? A mensagem que emerge desta dura sentença é a seguinte: não é porque eu sou batizado, não é porque eu vou à igreja todos os domingos, não é porque eu sou bispo, padre ou mesmo papa, que eu automaticamente tenho óleo em reserva e que eu posso, necessariamente, entrar e participar das núpcias eternas. No Sermão da Montanha, do mesmo Evangelho de Mateus, diante daqueles que afirmam ter feito exorcismos ou curas, Cristo diz: “Então eu vou declarar a eles: Jamais conheci vocês. Afastem-se de mim, malfeitores” (Mt 7, 23).

2. Mensagem central da parábola.

É agora que chegamos à mensagem central da parábola: qual é? É o óleo que nós colocamos na lâmpada para que possa iluminar. Mas de que é feito este óleo? Aquele que temos e que devemos manter de reserva para a nossa lâmpada, sem se apagar. A parábola diz que o noivo pode demorar. Portanto, o óleo é feito de paciência, de vigilância, de perseverança, de tolerância, de confiança e de esperança. Caso contrário, vamos ficar sem óleo e a nossa lâmpada se apagará. O óleo é, portanto, a nossa responsabilidade pessoal; é ela que acende a nossa lâmpada e que ilumina os outros. É por esta razão, se ao esperar o noivo, eu não fizer nada e esperar tudo dos outros, que eu vou ficar sem óleo e não poderei entrar no salão das núpcias, mesmo se fui convidado. Isso significa que devo praticar a tolerância, a confiança, a paciência, a vigilância e a esperança, para poder entrar no salão das núpcias.

3. Uma espera responsável.

O que fazer enquanto espera o noivo? Como Igreja, como cristãos, o que devemos fazer? O Livro da Sabedoria, o livro mais recente do Antigo Testamento, pois foi escrito entre 30 e 50 d.C, nos oferece um personagem para descobrir, personificado na Sabedoria, que podemos atribuir a Deus ou ainda, para nós, cristãos, ao Cristo ressuscitado. É uma relação de amor que nos é proposta, que é descrita de muitos modos: beleza inalterável, contemplação, busca e reencontro, proximidade, cuidado, prudência, bondade e acompanhamento. Esta relação de amor proposta pelo autor vai tão longe que no capítulo 8, o Sábio irá partilhar o seu desejo de esposar a Sabedoria: “Amei a sabedoria e a busquei desde a minha juventude, e procurei tomá-la como esposa, pois fiquei enamorado de sua formosura” (Sb 8, 2).

Mas quem é essa sabedoria, a imagem da bondade de Deus? O exegeta francês Edward Cothenet escreveu: “O leitor cristão vai descobrir facilmente a figura de Cristo, que sempre dá o primeiro passo, como no poço de Jacó, para que possamos encontrá-lo.” E o Cristo que vem ao nosso encontro o faz através dos homens e mulheres de hoje, com o quem devemos construir relacionamentos de amor fraterno; com quem devemos trabalhar para restaurar a justiça; com quem devemos praticar a tolerância, a paciência, a perseverança, e com quem devemos partilhar a nossa esperança… Em suma, devemos fornecer óleo suficiente para a nossa lâmpada, para que ele possa iluminar sempre…
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