Com o domingo de Cristo Rei concluímos este ano litúrgico (ciclo A) durante o qual o Evangelho de São Mateus nos acompanhou. É uma boa ocasião para fazer um balanço deste caminho com Jesus: se fomos do número dos seus discípulos na escuta da sua palavra ou se, pelo contrário, fomos meros simpatizantes ocasionais. No final desta viagem, poderemos dizer que conhecemos melhor Jesus?

Ovelhas ou cabritos?

Quantas vezes o fizestes a um dos meus irmãos
mais pequeninos,  a Mim o fizestes!

Mateus 25,31-46

Com o domingo de Cristo Rei concluímos este ano litúrgico (ciclo A) durante o qual o Evangelho de São Mateus nos acompanhou. É uma boa ocasião para fazer um balanço deste caminho com Jesus: se fomos do número dos seus discípulos na escuta da sua palavra ou se, pelo contrário, fomos meros simpatizantes ocasionais. No final desta viagem, poderemos dizer que conhecemos melhor Jesus?

A passagem do Evangelho é a conclusão do último discurso de Jesus (Mateus 24-25) sobre o fim dos tempos e o regresso do Senhor. É o seu último ensinamento antes de encaminhar-se para a sua paixão. Jesus, que vai ser julgado pelas autoridades políticas e religiosas, proclama-se o juiz de toda a terra! “Quando o Filho do homem vier na sua glória com todos os seus Anjos, sentar-Se-á no seu trono glorioso. Todas as nações se reunirão na sua presença!”

1. O significado profundo desta festa

A solenidade de “Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo” é uma festa relativamente recente, instituída por Pio XI em 1925 e posteriormente fixada no último domingo do ano litúrgico. Qual é o sentido desta festa? Indicar a direção do ano litúrgico e de toda a história, orientados para a “recapitulação de todas as coisas em Cristo” e para a sua glorificação (ver primeira leitura e Efésios 1,10). Cristo é “o Alfa e o Ómega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim” (Apocalipse 22,13). Por isso, esta festa apresenta-nos o fim, o ponto de chegada da história e da nossa peregrinação. Vale a pena perguntarmo-nos: para onde vai a minha vida? Para a recapitulação em Cristo ou para a aniquilação?

2. Uma bofetada na cara de todos os reis!

O uso da terminologia Rei, Reino, Reinar, utilizada pela liturgia (ver o Evangelho e a segunda leitura) pode suscitar perplexidade, embora saibamos que se trata de uma linguagem bíblica figurada de que não podemos prescindir. Ainda por cima muitos fazem dela um uso triunfalista! O “rei” é coisa de outros tempos, com um sabor de absolutismo, de arbitrariedade e de abuso que gostaríamos de esquecer. Penso, porém, que proclamar Jesus como “Rei” é um facto revolucionário e provocador, porque Cristo é exatamente o oposto de qualquer rei. É um rei entronizado na cruz que se torna como uma bofetada na cara de qualquer “rei”, político ou religioso. Todo o poder político, religioso, social ou familiar que não esteja ao serviço está condenado à aniquilação, porque ele vem “aniquilar toda a soberania, autoridade e poder”(segunda leitura).

3. Um Rei, um Senhor para todos!

Todas as nações se reunirão na sua presença”. Quem são estas “nações”? A palavra em grego (ethnos) era utilizada para designar as nações pagãs, ou seja, aquelas que não pertenciam ao “povo” (laos) de Deus. As parábolas anteriores, por sua vez, referiam-se ao julgamento dos crentes. Isso não os exclui dos critérios de julgamento usados aqui por Jesus, pelo contrário, aumenta a sua responsabilidade: “O servo que, conhecendo a vontade do patrão, não dispuser ou não agir de acordo com a sua vontade, receberá muitas pancadas” (Lucas 12,47-48). 

4. As seis obras de misericórdia

Qual é o critério do Senhor para separar os “benditos” (à sua direita) dos “malditos” (à sua esquerda)? O exercício das seis obras de misericórdia! “Tive fome e destes-Me de comer; tive sede e destes-Me de beber; era peregrino e Me recolhestes; não tinha roupa e Me vestistes; estive doente e viestes visitar-Me; estava na prisão e fostes ver-Me”. Jesus não fala em abstrato, de “justiça”, de “solidariedade” ou de “amor”, mas de gestos muito concretos de ajuda aos necessitados! 

Esta lista de obras de misericórdia é repetida quatro vezes, duas de forma positiva e duas de forma negativa. A repetição tem um objetivo mnemónico, para além de sublinhar a sua importância. O espanto é geral, tanto dos que estão à direita como dos que estão à esquerda: “Senhor, quando é que Te vimos...?” A resposta do Senhor é inaudita: “Em verdade vos digo: Quantas vezes [não] o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim [não] o fizestes”. Nunca uma divindade se tinha identificado com a pessoa necessitada!

O discurso de Jesus não tem por objetivo intimidar-nos com a ameaça do castigo, mas ajudar-nos a reler a nossa vida do ponto de vista do fim. O verdadeiro julgamento realiza-se na história: o nosso caminho é já um percurso de bênção ou de maldição, de vida ou de morte! A linguagem forte e profética de Jesus quer abanar-nos para não corrermos o risco de arruinar a nossa vida! 

Pergunto-me: porquê “seis” (imperfeição) e não “sete” obras de misericórdia? Eu responderia: a sétima é o serviço da fé prestado pelos crentes (ver as parábolas dos talentos e das dez virgens).

5. O mistério da Encarnação não está concluído!

A identificação de Jesus com os pequeninos faz-nos pensar que o mistério da Encarnação ainda não está completo. Jesus não só se fez (um) homem, mas continua a encarnar-se em cada homem e mulher, assumindo todo o sofrimento humano.
Isto leva-nos a pensar também que o mistério eucarístico se prolonga nos pobres: “Este é o meu corpo... este é o meu sangue!”

Exercício espiritual para a semana

- Invocar a vinda do Reino de Deus nas diferentes situações e lugares que frequentamos durante o dia: “Venha [aqui] o vosso Reino!”
“Nunca afastes de algum pobre o teu olhar” (Tobias 4,7, Dia Mundial dos Pobres).
- Façamos um sério exame de consciência para ver se também nós não estamos a ser influenciados pela “globalização da indiferença” (Papa Francisco).

P. Manuel João Pereira Correia, mccj
Verona, Novembro de 2023