Quinta-feira, 27 de Abril de 2017
2017, além de mariano é também ano comboniano. Celebramos os 150 anos da fundação do Instituto e 70 anos de presença em Portugal. Para embandeirar em arco? É melhor não! Um ano jubilar é uma estação de acção de graças pelo passado de luzes e sombras; pelo presente de alegrias e tristezas; pelo futuro que já é no coração de Deus. Ou melhor: «Com Comboni, celebrar o passado, sonhar o futuro com gratidão e esperança» – como proclama o logótipo do jubileu comboniano português.
Percorrer as avenidas da memória numa peregrinação de afetos e de saudade, recordando as pessoas que construíram a história comboniana, rever os acontecimentos que fazem a história, é um exercício fundamental para vivermos o presente com serenidade e projetarmos o futuro com esperança.
«A falta de memória histórica é um defeito grave da nossa sociedade. É a mentalidade imatura do “já está ultrapassado”. Conhecer e ser capaz de tomar posição perante os acontecimentos passados é a única possibilidade de construir um futuro que tenha sentido», adverte o Papa Francisco no n.º 193 da Amoris Laetitia.
Celebramos o ano comboniano num contexto de crise vocacional: a província envelhece e diminui e um escolástico e um noviço decidiram dar rumo novo às suas vidas em março. O que é que Deus nos quer dizer através destes factos, Ele que é o Senhor da História?
Quando soube a notícia das saídas peguei nas 50 contas azuis que me ofereceram e disse Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo… outras tantas vezes. Mais não sabia que rezar… Aliás, esta é uma situação bastante comum na minha experiência de liderança. O que me leva a pensar que temos que viver o ano jubilar em duas perspectivas bem combonianas: a obra é de Deus e somos um (pequeno) cenáculo de apóstolos.
Muitos anos antes do P. Josemaría Escrivá se assenhorear do termo Opus Dei para a sua prelatura, Comboni usou-o para definir o Instituto, o Plano e o seu serviço missionário. O termo obra de Deus aparece citado 39 vezes nos Escritos.
Numa extensa Relação histórica e estado do vicariato da África Central que enviou à Sociedade de Colónia (Alemanha) em 1877 Daniel Comboni escreve: «O quadro histórico que preparei para os senhores e no qual passei por alto muitas coisas, é testemunho de que esta obra surgiu ao pé da cruz e que traz o selo da cruz adorável, pela qual se converte em obra de Deus» (E 4972).
A 20 de abril de 1881, meio ano antes da sua morte, comenta numa carta ao P. José Sembianti: «o instituto de Verona conseguiu algo na mais difícil de todas as obras do apostolado católico, de que a nossa obra recebeu certamente a bênção divina e de que, na verdade, é obra de Deus» (E 6663).
O Instituto Comboniano é de Deus: coloquemo-lo nas mãos de quem pertence e vivamos com alegria e dedicação o serviço que a Igreja portuguesa nos pede: a sua animação missionária através «do crisol do sofrimento, da cruz e do martírio» (E 6339) que é feito de cansaço, falta e envelhecimento dos missionários, dificuldade em responder adequadamente aos desafios da missão na Europa de hoje, comunicação com uma sociedade cada vez mais estranha à linguagem de e sobre Deus, medo dos desafios, comodismo da zona de conforto… O conselho de Pedro é actual: «No íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça; com mansidão e respeito» (1 Pedro 3, 15-16a).
Por outro lado, Comboni sonhou o Instituto como um (novo e pequeno) cenáculo de apóstolos. O fundador usa essa descrição cinco vezes nas suas cartas em relação ao Colégio Urbano (E 2027), ao Colégio/Instituto das Missões da Nigrícia (E 2622, 2648, E 4088) e ao Seminário Mastai de Roma (E 4763).
A nossa carta de identidade mais importante encontramo-la no Capítulo I das Regras do Instituto das Missões para a Nigrícia de 1871 sobre a sua natureza e objectivo: «Este Instituto torna-se, pois, como um pequeno cenáculo de apóstolos para a África, um ponto luminoso que envia até ao centro da Nigrícia tantos raios quantos os solícitos e virtuosos missionários que saem do seu seio. E estes raios, que juntos resplandecem e aquecem, revelam necessariamente a natureza do centro de onde procedem» (E 2648).
Comboni começa por nos definir como pequenos, homens atenciosos de virtude: a idade e o tamanho não nos devem complexar ou preocupar, mas sim a atenção e a retidão. O importante é estarmos em estado permanente de missão como cenáculo de apóstolos que aquecem o mundo com o amor de Deus através dos seus corações. Podemos descrever o Instituto como uma aliança ou rede cordial para acalentar o mundo, sobretudo os mais pobres e abandonados.
Os Documentos Capitulares 2015 citam a definição duas vezes. No nº 3 lemos: «São Daniel Comboni, nosso pai na missão, chama-nos a ser um «pequeno cenáculo de apóstolos» (E 2648), sempre prontos a actualizar o nosso carisma perante os novos desafios missionários (RV 1,3)».
O nº 33 define as coordenadas da expressão, o GPS da vida comum: «Sentimos necessidade de recuperar o sentido de pertença, a alegria e a beleza de ser verdadeiro “cenáculo de apóstolos”, comunidade de relações profundamente humanas. Somos chamados a valorizar, primeiro entre nós, a interculturalidade, a hospitalidade e “a convivialidade das diferenças”, convencidos de que o mundo tem imensa necessidade deste testemunho.»
Pertença, alegria, beleza, relações humanas profundas, interculturalidade – se o Conselho Geral cumprir a obrigação capitular de internacionalizar a província, hospitalidade, diferenças aceitadas e integradas são as peças com que construímos o puzzle do testemunho missionário, da comunidade evangelizadora.
2017 também é ano mariano: celebra 300 anos da Aparecida, no Brasil, e o centenário do acontecimento de Fátima. Também é uma festa comboniana. O P. João Cotta visitou Fátima duas semanas depois de ter chegado a Portugal para «confiar a Maria a congregação, as missões e esta nova obra» como escreveu. E sonhava estabelecer uma presença comboniana na Cova da Iria, mas foi «levado» a assentar arraiais noutras paragens. O resto é Uma história singular!
Uma santa Páscoa na alegria e na paz do Ressuscitado.
Com carinho!
P. José da Silva Vieira