Sexta-feira, 14 de Dezembro de 2018
O Pe. Feliz esteve doze anos na missão de Nyala, no Sudão. Partilhou os sofrimentos, as alegrias e as esperanças do povo sudanês. Agora, espera com entusiasmo o momento de chegar ao novo destino de missão...

A missão no Darfur florescerá
Entrevista ao P. Feliz da Costa Martins,
missionário comboniano

O Pe. Feliz da Costa Martins é natural de Vila Nova do Campo, Viseu. Fez os primeiros votos religiosos nos Missionários Combonianos com 20 anos e foi ordenado sacerdote em 1978. Partiu a primeira vez para terras do Sudão na década de 1980. Foi nesse país no coração da África, em Nyala (Darfur), que desenvolveu a sua missão durante os últimos doze anos. Com uma linguagem simbólica, descreve a profundidade dessa experiência evangelizadora. «A vida missionária trouxe-me até aqui, no longínquo e vasto Darfur, a região mais remota e problemática do Sudão. Mas este foi um tempo suficiente para produzir em mim uma linda flor. É uma rosa de dois tons: vermelho e branco. Vermelho, como no dia de Sexta-Feira Santa, lavado no Sangue de Jesus. Branco, como no Domingo de Páscoa. A cor da Ressurreição. Duas cores que se fundem numa só: cor-de-rosa, à qual não faltam também os espinhos. Não haja confusão com rosas transgénicas, sem espinhos. A minha rosa é natural.»

Dificuldades e alegrias

O P.e Feliz afirma que «ser missionário no Darfur acarretou sempre grandes dificuldades, por ser uma região muito remota e isolada de tudo e de todos, não só geograficamente, mas sobretudo pelo que se refere à insegurança pessoal.

O tamanho da paróquia de Nyala abrange todo o Estado Federal do Sul do Darfur, numa extensão geográfica aproximadamente igual a metade de Portugal. No entanto, o trabalho pastoral dos missionários estrangeiros só se pode realizar na cidade. «Recordo as palavras que me disse o condutor de um autocarro-furgoneta que me levaria a visitar a comunidade cristã de Kass. “Eu sei que és da Igreja Católica e estás a par dos problemas do nosso Darfur. Sabes tão bem como nós que os rebeldes e os janjawid [milícias que se apresentam como árabes, embora em geral sejam provenientes de tribos africanas nómadas de fala árabe] estão em tudo quanto é sítio, prontos para assaltar, roubar, sequestrar, matar. Não queiras tu pôr em perigo a tua vida e a nossa.” Desde aquele dia compreendi que seria melhor não forçar viagens fora da cidade, pois estaria a favorecer ainda mais a criminalidade e complicar a vida de muita gente inocente», conta o missionário.

Nesse ambiente de violência, as autoridades do Governo da região usam esse pretexto para impedir que os missionários estrangeiros se possam deslocar. «Asseguram que as restrições e o limite de movimentação que impõem, assim como o recolher obrigatório, têm sido decretados para nos manter em segurança», comenta o P.e Feliz. O missionário reconhece, no entanto, que seriam «demasiado ingénuos e imprudentes se tratássemos de forma ligeira os perigos da guerra nesta região do Darfur, onde vivemos. Mas, por outro lado, nunca exigimos uma protecção especial para nós, o que, esperava eu, me facilitaria uma certa liberdade no procedimento com as autoridades locais quando lhes pedisse autorização para sair da cidade. Mas, esforço inútil e vão: a guia de marcha nunca nos foi concedida. Nem mesmo quando lhes confirmava que, em caso de grande perigo e risco, eu estaria disposto a tomar a responsabilidade nas minhas mãos. Qualquer requerimento que viesse da parte da Igreja ficou no fundo da gaveta, ignorado e sem valor.»

Nessas condições, os missionários viam como o seu trabalho era muito limitado e, depois de um discernimento, resolveram pedir ao bispo que a pastoral dessas comunidades da missão de Nyala fosse assumida pelo clero local. Uma decisão difícil, mas pertinente. O P.e Feliz ainda leva no coração e na mente a interpelação que Anthony Krêb, um dos seus amigos da paróquia, lhe fez quando teve conhecimento da partida dos missionários. «Alguém te tratou mal?», perguntou-lhe o militar aposentado e um dos poucos cristãos que optou por ficar em Nyala quando da separação e independência do Sudão do Sul. O missionário conta que se sentaram no tosco banco de cimento no adro da igreja e conversaram. «Não foram necessárias muitas palavras para convencer o meu amigo ex-sargento sobre o motivo que está por detrás da nossa partida. De facto, bastou que eu lhe recordasse as não tão poucas vezes em que, no espaço de uma dúzia de anos atrás, vínhamos falando dos safáris missionários que nunca chegaram a realizar-se. Ele, como também qualquer um dos paroquianos, é, infelizmente, conhecedor de quão grande tem sido a nossa preocupação e esforço em tentar visitar as 154 comunidades cristãs (capelas) pertencentes a esta paróquia/missão. Passaram-se doze anos e esses cristãos continuam, em vão, à espera da visita do missionário.»

Sempre em missão

No passado dia 12 de Outubro, a igreja de Nyala foi entregue a um novo pároco, o padre Anthony Ernest Laa, sudanês. Não há dúvida de que o plano de S. Daniel Comboni “salvar a África por meio dos africanos” seria de aplicar nesta situação. Mas a Igreja sudanesa, num ambiente de islamização muito acentuado, ainda não pode contar com um número minimamente suficiente de clero local. O bispo sabe que não deve forçar os tempos nem queimar etapas. No entanto, a este respeito, ouvimo-lo dizer com coragem e ousadia: «Temos S. Daniel Comboni e Santa Bakhita, sudanesa darfuriana e originária desta mesma paróquia de Nyala. Dois padroeiros que não nos podem deixar ficar mal. Confiemos e rezemos para que nos guiem na procura da melhor solução para o Darfur.» Deus, Senhor da História, também fará com que o deserto do Darfur floresça.

Os Missionários Combonianos disseram adeus ao Darfur. «Mas não é um adeus à missão, nem à nossa querida diocese de El Obeid, onde S. Daniel Comboni passou grande parte da sua vida missionária», frisa o P.e Feliz. E menciona, a este respeito, as palavras do bispo, D. Tombe, no momento da despedida: «Querido amigo P.e Feliz, o teu serviço missionário, do qual não te dispensamos, será sempre precioso. Depois de uns bons dias de descanso, espero-te em El Obeid. Não é que lá seja o país das maravilhas, pois sabemos que as dificuldades estão sempre à espreita em qualquer tempo e lugar. Aliás, isso não é novidade para nós: a missão tem, desde os seus inícios, a marca da perseguição. O próprio Jesus já tinha prevenido os seus apóstolos. Mas isso não nos deve desanimar nem paralisar; são situações que, depois da devida oração e discernimento, se tornam parte integrante da missão.»