Sábado, 11 de Fevereiro de 2023
«Parece que persistimos em ignorar todos os documentos eclesiais e pontifícios a convocar-nos para a missão. O Papa Francisco disse recentemente que “a missão é o oxigénio da vida cristã”. Sem ela perderemos a vitalidade até sufocarmos. Não podemos deixar que isso aconteça.» Com estas palavras, conclui o padre José Rebelo, comboniano, o editorial da primeira revista, deste ano, das Obras Missionárias Pontifícias, em Portugal. [Ver anexo]

Prioridade à evangelização

É deveras significativo que a Constituição Apostólica sobre a Cúria Romana e o seu serviço à Igreja no mundo, se chame Proclamai o Evangelho (Prædicate evangelium), evocando Mc. 16, 15 e Mt. 10, 7-8. O documento é orientado à evangelização e tem um cunho marcadamente missionário. No seu preâmbulo explica-se que “tal é a missão que o Senhor Jesus confiou aos Seus discípulos”, e cita a Carta Encíclica de João Paulo II Redemptoris missio, para dizer que “este mandato constitui “o primeiro serviço que a Igreja pode prestar ao homem e à humanidade inteira, no mundo de hoje” (RM, 2).

Na visão do Papa Francisco, tudo na Igreja, mesmo a burocracia e a diplomacia, deve subordinar-se à missão. Por isso, no número seguinte do preâmbulo fala-se de «conversão missionária» da Igreja (cf. EG, 30), que se destina “a renovar a Igreja segundo a imagem da missão de amor própria de Cristo.”

Depois diz-se que “é no contexto da missionariedade da Igreja que se insere também a reforma da Cúria Romana.” Por consequência, no Cap. V, dedicado aos vários Dicastérios, o Dicastério para Evangelização aparece à cabeça e, obviamente, antes de dicastérios até agora considerados mais importantes. Não há dúvida de que se trata de uma decisão teológica e estrutural de enorme alcance: afirmar como o serviço da evangelização é o primeiro e mais fundamental de todos.

Para reforçar a sua acrescida importância está o facto de que, por um lado, o Dicastério passa a depender directamente do Santo Padre, que atribuiu a si próprio o cargo de líder missionário de uma Igreja missionária, e, por outro, combina as funções até agora desempenhadas pela Congregação para a Evangelização dos Povos e pelo Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização. Assim, o Dicastério para a Evangelização passa a ter duas secções: não se ocupa já somente da “primeira evangelização e das novas Igrejas particulares nos territórios de sua competência”, mas também das “questões fundamentais da evangelização no mundo”.

Com esta reforma, o Papa Francisco coloca a evangelização no coração da Cúria Romana e da Igreja: a partir de agora, todas as Igrejas locais têm a ver com este Dicastério. Tudo na Igreja está ao serviço da Missão. Esta orientação estratégica terá de ter consequências práticas na organização pastoral, sobretudo ao nível das Conferências Episcopais e das dioceses.

Uma consequência que me parece evidente desde logo é no estatuto das várias Comissões Episcopais, para as quais haverá eleições na Conferência Episcopal Portuguesa dentro em breve: a Comissão Episcopal Missão e Nova Evangelização deveria ganhar relevo e, como tal, ser a primeira a ser eleita. Seria uma mudança simbólica, em linha com a orientação papal, mas que daria um sinal inequívoco para toda a acção pastoral no sentido de orientá-la para a missão. Ao nível diocesano, o cargo de Director das Missões deveria ser de primeiríssima importância e não como tem acontecido até aqui.

Estou convencido que, se estas sugestões fossem acolhidas, teriam um impacto muito positivo na nossa vida pastoral. No nosso último boletim escrevi que Portugal tem uma tradição missionária que nos orgulha, mas que tem vindo a definhar de modo crítico ao longo dos anos. Dois sinais inequívocos dessa perda de dinamismo missionário é a significativa diminuição no número de missionários portugueses ad gentes e da ajuda às jovens Igrejas (ver estatísticas publicadas, nomeadamente do peditório do Dia Mundial das Missões). Dou apenas dois exemplos significativos: em 2021, uma diocese partilhou com a Igreja universal a quantia de 7,04 euros em média por paróquia! Em 2022, a avaliar pelos resultados que já nos chegaram, a diminuição do peditório continuou: numa diocese de referência a ajuda caiu 40,1 por cento.

São resultados deveras magros, mas não inesperados. A causa da missão parece suscitar cada vez menos interesse nos responsáveis, não no povo cristão. Em muitas dioceses e paróquias, os materiais que preparamos não são distribuídos (sobretudo o Guião Missionário e os cartazes do Dia Mundial das Missões) e o peditório nem sequer é anunciado. Em Outubro de 2022, procurámos voltar a realizar o peditório de rua, mas a maior parte das dioceses não quiseram latas para o efeito e noutras as latas nem saíram dos sacos.

Parece que persistimos em ignorar todos os documentos eclesiais e pontifícios a convocar-nos para a missão. O Papa Francisco disse recentemente que “A missão é o oxigénio da vida cristã”. Sem ela perderemos a vitalidade até sufocarmos. Não podemos deixar que isso aconteça.

P. José Rebelo, MCCJ
Presidente das Obras Missionárias Pontifícias, em Portugal