Pedro Nascimento, na Etiópia: “A missão são rostos e tenho presente tantos rostos sofridos”

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Sexta-feira, 30 de Abril de 2021
Quando, em Novembro de 2020, regressei de Portugal, nunca pensei viver os momentos que tenho experienciado nestes últimos meses. Vivo em Guilguel Beles, na Região de Benishangul-Gumuz, Oeste da Etiópia e, na missão, trabalhamos essencialmente com o povo Gumuz. Nós, Leigos Missionários Combonianos, vivemos com os Missionários Combonianos, na mesma missão.

Não fechamos as portas a ninguém, mas este é um dos povos mais esquecido e abandonado da Etiópia e do mundo. Várias pessoas de outras etnias, tais como Amara, Agaw, Chinacha, também aqui vivem. O solo é fértil e isso leva a que seja uma zona apetecível. E, por isso, muitas vezes, os Gumuz perderam terrenos que lhes pertenciam. Mas, mesmo assim, as pessoas viviam em paz, sem grandes problemas. Em 2019, já eu estava na Etiópia, uma aldeia Gumuz foi atacada, pessoas mortas, casas queimadas. A nossa missão foi pioneira em prestar auxílio aos deslocados.

Pedro Nascimento, leigo missionário comboniano, em Guilguel Beles, na Região de Benishangul-Gumuz, Oeste da Etiópia.

Quando regresso, em Novembro de 2020, rebeldes Gumuz começaram a atacar não Gumuz. Com grande dor soube da morte de muitos inocentes. A vida humana é preciosa. Porém, assisti também à perseguição de Gumuz. Pessoas fugiram para a floresta, casas queimadas, dezenas de jovens presos sem qualquer justificação. Recordo-me de ir com o David, meu colega de missão, até Debre Markos, na região Amara, com dois Gumuz, pois tinham receio de ser mortos. Várias vezes fomos prestar auxílio a detidos na esquadra da polícia.

Entretanto, o Governo começou a negociar com os rebeldes Gumuz e, durante quase dois meses conseguimos abrir escolas, clínica, biblioteca. Porém, as negociações falharam e os rebeldes Gumuz mataram mais pessoas. Nem sempre é fácil concluir negociações quando as propostas exigidas são impossíveis de concretizar. Como resposta, rebeldes Amara e Agaw, atacaram aldeias, mataram pessoas, queimaram casas. Os jovens com quem convivia, as mulheres do grupo que seguia, as crianças da escola e jardim-de-infância tiveram que fugir para a floresta: sem comida, sem roupa, sem nada. Pessoas que eu conhecia foram mortas: inocentes!

Na nossa missão muitas têm sido as pessoas que aqui vêm para pedir comida, dinheiro para comprar comida, assistência médica… No início preparámos comida para todos os necessitados que vinham ao nosso encontro. “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16), disse Jesus. Depois, com a ajuda da diocese distribuímos massa e, diariamente, todas as manhãs servimos uma refeição a mais de 200 crianças. Aos domingos oferecemos uma refeição, depois da missa. O David todos os dias responsabiliza-se pela gestão das refeições e a Irmã Nives (enfermeira comboniana) presta cuidados de saúde a dezenas de pessoas. Eu alterno entre ajudar no trabalho com as crianças e ir a Mandura, à missão das Irmãs Combonianas que tiveram que deixar, devido a esta situação de guerrilha, vivendo por agora connosco.

Missionários na mesma missão de Guilguel Beles.

Durante o dia procuram estar em Mandura para acolher as pessoas que aparecerem. Eu ajudo com as tarefas doméstica: buscar água para os animais, para a casa (pois as irmãs estão sem água em casa), entre outros. As irmãs Combonianas Vicenta e Cristiane e eu recebemos as pessoas que aparecem para cumprimentar ou pedir ajuda. Muitas delas arriscam vir à missão, depois de três a quatro horas a caminhar, para buscar cereais que guardaram na casa das Irmãs ou pedir ajuda.

Tem sido muito duro escutar tanto sofrimento: pessoas que estão a sofrer, subnutrição, crianças gravemente doentes, pessoas que perderam familiares, que perderam os seus cereais. Quantas vezes me é difícil adormecer a pensar nesta realidade. A missão são rostos e tenho presente tantos rostos sofridos. Quando na Igreja rezo e olho para a cruz de Jesus vejo imensos rostos, contemplo esta realidade sofredora e percebo que Jesus está naquela cruz por nós e que continua a sofrer diariamente por nós. Mas, ao mesmo tempo, sinto estas palavras na minha mente: “Não tenhais medo! Eu estou convosco!”

Não é fácil viver estes momentos de sofrimento, mas a vivência da fé em Jesus, que passou a vida fazendo o bem, que sofreu, foi morto, mas ressuscitou ajuda-nos a ser testemunhas do Amor de Deus entre as pessoas.

Obrigado a todos e todas que têm contribuído a vários níveis, de oração, amizade, carinho e ajuda para a missão. Sem a vossa partilha não teríamos hipótese de prestar auxílio. Muito obrigado de coração! As tribulações não faltam, mas estai certos de que a vossa oração nos sustenta. A missão é de Deus e é n’Ele que devemos colocar a nossa confiança.
Abraço fraterno,
Pedro Nascimento