O Evangelho de João (4, 5-42), que vamos escutar neste III domingo da Quaresma, narra-nos a famosa história da mulher samaritana que se encontra com Jesus junto ao poço de Jacob. É uma história muito profunda e cheia de simbolismo. Para encontrar Deus é imprescindível ter sede, experimentar a insatisfação e a insuficiência das águas comuns que bebemos, das filosofias, dos pensamentos, das oportunidades, dos amores, que nos são oferecidos na vida. À sede profunda Jesus responde com o dom da sua Palavra iluminadora, que conduz ao conhecimento do Pai; o dom do seu Espírito que purifica, encoraja e fortalece; o dom da sua presença que é amor incondicional e misericordioso, que perdoa, renova, abre portas e gera nova vida.

A Primeira Missionária do Evangelho
João 4, 5-42

Após os dois primeiros domingos do nosso itinerário quaresmal, que nos apresentaram a vitória sobre a tentação e a transfiguração das nossas vidas, os três domingos seguintes convidam-nos a meditar sobre três temas eminentemente baptismais e pascais: a água, a luz e a vida. Seremos ajudados pelo Evangelho de João, que neste terceiro domingo nos oferece o longo diálogo entre Jesus e a mulher samaritana, em torno da SEDE e da ÁGUA. É um diálogo, entrelaçado com simbolismos, alusões bíblicas e sentimentos humanos, que finalmente se transforma num verdadeiro namorar de Deus para com a sua noiva infiel.

O encontro no poço

Hoje, Jesus marca-nos um encontro no poço de Jacob com a mulher samaritana. O poço era o lugar do encontro. Tal como ainda acontece em certas partes de África. Este poço era, sobretudo, "o poço de Jacob", portanto um lugar ancestral, cheio de simbolismos e de tradições, o poço dos amores (cf. Génesis 24 e 29). Este poço ainda hoje existe, três mil anos mais tarde, com 32 metros de profundidade. Há uma continuidade, no tempo e no espaço, de necessidades e desejos e de lugares onde o homem procura saciar a sua sede.

O poço é uma metáfora para a nossa vida de busca contínua de uma água capaz de saciar a nossa sede profunda de felicidade. O drama é acreditar que cada água, que parece espelhar o céu, é capaz de saciar a nossa sede; que cada bem, cada afecto, cada prazer possa finalmente saciar o nosso desejo.

Mas, infelizmente, tudo é ainda muito pouco, como diz o poeta Eugenio Montale:
"Sob o azul espesso
do céu passa uma ave marinha;
mas nunca pára,
porque todas as imagens têm escrito:
"mais além"".

E Aquele que estava "mais além" veio para mais perto, para nos esperar no poço dos nossos desejos. O amor precede sempre o amado. E esta mulher samaritana, símbolo da humanidade sedenta de amor, com cinco maridos atrás dela e com um sexto homem que nem sequer era seu, não podia imaginar que o seu sétimo marido, o Messias, a esperava no poço para a cortejar com um amor que ela não conhecia e para desposá-la para sempre. A sede de Deus é a sede mais profunda que existe e só Cristo a experimentou em toda a sua plenitude. Deus também tem sede de um desejo que faz dele um mendigo: o desejo de poder conceder-me aquilo que desde sempre desejei, a vida.

Dá-lhe de beber, samaritana!

O evangelho de João é o evangelho dos diálogos. Jesus adora entreter-se com a gente e entrar em diálogo com as pessoas. No fundo, a nossa vida de fé não é mais do que um diálogo ininterrupto com ele. É um diálogo que dura há muitos anos, aprofundando o conhecimento e a amizade, com belos momentos de compreensão que nos enchem de paz, mas não isentos de mal-entendidos e períodos de desconcerto, quando não de distanciamento que, infelizmente, por vezes corre o risco de se tornar definitivo; e então, ele e eu, tornamo-nos estranhos. A Quaresma é um momento propício para aprofundar este diálogo ou para recomeçar a frequentar-se, antes que esta relação seja irremediavelmente cortada.

Jesus abre o diálogo com a mulher samaritana, quebrando regras e tabus, falando com uma mulher, uma estrangeira e de moral duvidosa. Ele apresenta-se sem fingimento, como uma pessoa necessitada, cansada e suplicante: "Dá-me de beber!". Na sua humanidade, ele reconhece que está em necessidade. Chegará outra hora "por volta do meio-dia" quando Jesus expressa esta mesma necessidade, pela última vez e como suprema indigência, na cruz: "Tenho sede" (João 19,28-30).

Não sejamos demasiado rápidos a ignorar esta necessidade física, a mais fundamental para a sobrevivência humana. Estamos habituados a ver Jesus como a resposta às nossas necessidades, sem pensarmos nas suas. E esta é uma das (seis) necessidades, que ele quis manter como suas até ao fim dos tempos: "Tive sede e destes-me de beber" (Mateus 25). Pensemos, amigos, nas necessidades de Jesus, nos sedentos que hoje encarnam a sua sede. Conhecer as necessidades de Jesus e dos outros é a melhor maneira de compreender as nossas próprias necessidades e desejos.

Corações, poços a limpar!

Tantos corações, negligenciados, secaram ou tornaram-se cisternas com brechas que perdem a água, de águas estagnadas (Jeremias 2,13) porque já não somos capazes de chegar às águas profundas do coração. Vamos procurar água a outros poços, frequentemente poluídos, e negligenciamos a água do nosso próprio poço. É tempo de fazer como Isaac fez: limpar e reactivar os poços que os nossos "filisteus" taparam. (Génesis 26,15ss). Temos de cavar nas profundezas da alma para libertar aquela "fonte de água que jorra para a vida eterna". Talvez se esconda debaixo da rocha. A vara de Moisés, ou seja, a cruz de Jesus, pode fender a rocha e fazer jorrar água (Êxodo 17, primeira leitura).

Esta é a hora da nossa vida em que "Jesus, de pé, grita: 'Se alguém tem sede, que venha a mim, e beba quem acredita em mim'". Como diz a Escritura: "rios de água viva correrão das suas entranhas" (João 7,37-38). A Samaritana ouviu-o e tornou-se a primeira apóstola dos seus concidadãos. Ela esqueceu-se do jarro das suas necessidades e correu à cidade para a todos convidar a virem ao Poço da Água Viva!

Surpreende-me como a mulher samaritana oferece o seu testemunho, despertando a curiosidade e estimulando a procura de todos: "Vinde e vede.... Poderá ele ser o Cristo?". E assim o conhecimento, a experiência e o testemunho multiplicam-se: "Já não é por causa da sua conversa que acreditamos, mas porque nós próprios ouvimos e sabemos que este é verdadeiramente o salvador do mundo". Em suma, uma missionária experiente!

O que viste, samaritana?

Um dia, no Poço, encontrei-o sentado,
E ele pediu-me de beber, estrangeiro sedento.
Água viva para beber, ele próprio me deu,
E desde então, o meu coração perdido se reencontrou,
Para sempre dele loucamente apaixonado,
A todos anuncia com alegria: o Messias chegou!

P. Manuel João Pereira Correia mccj
Castel d'Azzano (Verona), Março de 2023
[comboni2000]

Encontro da mulher samaritana com Jesus
junto ao poço de Jacob

Jo 4,5-42

Para uma compreensão do evangelho deste domingo, e dos dois domingos seguintes, devemos ter em conta que se trata do Evangelho segundo S. João que apresenta Jesus como o Messias, Filho de Deus, enviado pelo Pai para criar um Homem Novo. Sendo, por um lado, o evangelho que apresenta mais pormenores geográficos e cronológicos sobre a pessoa e obra de Jesus, por outro lado é aquele que se mostra mais simbólico. O leitor ou ouvinte deve interrogar-se sempre sobre o que S. João pretende dizer para além daquilo que apresenta.

A primeira parte da obra (4,1–11,56) é chamada «Livro dos Sinais» pois o autor, por detrás dos texto, tratados de forma simbólica, apresenta um conjunto de catequeses sobre a acção de Jesus Messias, utilizando os «sinais» da ÁGUA (4,1–5,47), do PÃO (6,1-7,53), da LUZ (8,12-9,41), do PASTOR (10,1-42) e da VIDA (11,1-56). O texto deste domingo é a primeira catequese do «Livro dos Sinais»: através do «sinal» da água, o autor vai descrever a acção criadora e vivificadora de Jesus.

A cena passa-se à volta do «poço de Jacob», não longe da cidade samaritana de Siquém (em aramaico, Sicara – a actual Askar). Trata-se de um poço estreito, aberto na rocha calcária, e cuja profundidade ultrapassa os 30 metros, que, segundo a tradição, teria sido aberto pelo patriarca Jacob. A Samaria era a região central da Palestina que, depois da invasão dos assírios em 721 a.C., passou a ser habitada por outros povos que se misturaram com a população local que aí continuou após a deportação duma parte dela para a Assíria. Com o decorrer dos tempos esta gente começou a paganizar-se (cf. 2Rs 17,29).

Na época do Novo Testamento, existia uma animosidade muito viva entre samaritanos e judeus. A relação entre as duas comunidades deteriorou-se ainda mais quando, após o regresso do Exílio, os judeus recusaram a ajuda dos samaritanos (cf. Esd 4,1-5) para reconstruir o Templo de Jerusalém (437 a.C.) e denunciaram os casamentos mistos. Tiveram, então, de enfrentar a oposição dos samaritanos na reconstrução da cidade (cf. Ne 3,33-4,17). Como reacção, no ano 333 a.C. os samaritanos construíram um Templo no monte Garizim; no entanto, esse Templo foi destruído em 128 a.C. por João Hircano. Já em vida de Jesus, no ano 6 d.C., os problemas avolumaram-se quando os samaritanos profanaram o Templo de Jerusalém durante a festa da Páscoa, espalhando ossos humanos nos átrios. Por isso, mais do que um mal-estar, entre judeus e samaritanos havia um sentimento de ódio e desprezo recíprocos.

O «poço» aparece, na tradição samaritana, judaica e dos essénios de Qumran, com um forte sentido simbólico. Faz recordar todos os poços abertos pelos patriarcas e a água que Moisés fez brotar do rochedo no deserto; mas, de modo particular, torna-se figura da Lei de Moisés.

Situando o diálogo junto de um poço, o evangelista apresenta-nos um tema da literatura bíblica. O poço era lugar privilegiado de encontro, de conflito e de reconciliação. Por exemplo, foi junto de um poço que se prepararam os casamentos de Isaac e Jacob; foi também junto de um poço que Moisés encon-trou as filhas de Raguel.

Também Jesus, tal como Moisés, se senta junto de um poço, cansado, por volta da hora sexta (meio-dia). É aqui que se dá o encontro com uma mulher samaritana. A mulher é um símbolo da Samaria, que procura a água que é capaz de matar a sua sede de vida plena. Jesus, na linha da profecia de Oseias que pregou nesta região séculos antes, é o Deus/esposo que vai ao encontro do povo/esposa infiel para lhe fazer descobrir o amor verdadeiro. O «poço» repre-senta a Lei e todo o sistema religioso. Era nesse «poço» que os samaritanos procuravam a água da vida plena sem se poderem saciar. Por isso, entregaram-se ao culto de outros deuses/«maridos» (precisa-mente cinco), conforme nos relata 2Rs 17,29-41. Mas continuaram sem saciar a sua sede de vida plena.

Jesus senta-se «junto do poço» e propõe à mulher/Samaria uma «água viva» que matará definitivamente a sua sede de vida eterna. Jesus passa a ser o «novo poço», onde todos os que têm sede de vida plena encontrarão resposta para a sua sede. Ele mesmo tem sede e pede água, mas a sede dele é a sede de matar a sede. O pedido «Dá-me de beber» vai encontrar um paralelo na exclamação «Tenho sede» que Jesus faz do alto da cruz, sem que tenha bebido a água que lhe fizeram chegar...

O evangelista desenvolve todo o diálogo num crescendo que parte da reacção negativa («Tu és judeu e pedes de beber a mim que sou uma mulher samaritana?»), da confusão e do equívoco («não tens balde»), pela descoberta da presença de Deus em Jesus («vejo que tu és profeta»), pela iniciativa de ir anunciar aos outros («Não será ele o Messias?»), até à confissão de fé («Ele é verdadeiramente o Salvador do mundo») de muitos que, através da mulher se encontraram com Jesus.
P. Franclim Pacheco
Diocese de Aveiro

João 4,5-42
O conhecimento de Jesus

Queridos irmãs e irmãos,
É muito interessante a forma como o Evangelho de S. João está construído porque é o evangelho dos diálogos. Como em nenhum outro evangelho Jesus dispõe-se a conversar. A conversar com aqueles que o procuram e com outras personagens que o próprio Jesus toma a iniciativa de encontrar, como é o caso desta mulher samaritana.

Isto compreende-se porque as mulheres não podiam procurar os mestres, só os homens tinham uma educação religiosa. Por isso, enquanto nós vemos, por exemplo, Nicodemos a procurar Jesus, é Jesus que tem de procurar a mulher samaritana, a iniciativa é Dele. Porque Jesus está disposto a franquear as fronteiras, a franquear os muros, a ir à procura da ovelha perdida, daquela que está mais distante.

Jesus conversa no Evangelho de S. João. Isto é uma imagem que, se calhar, nós não temos habitualmente de Jesus, mas é uma imagem existencial, mas é uma imagem que nós próprios vamos tateando dentro de nós. Porque, no fundo, o que é que é a nossa fé? A nossa fé é uma conversa longa que estamos a ter há vários anos, há muitos ou há poucos, mas que estamos a ter com Jesus. Um diálogo. Um diálogo saboroso como é este, um diálogo também de mal entendidos, como é este, um diálogo em que não se percebe logo à partida tudo, um diálogo que é progressivo e um diálogo que nos dá a conhecer Jesus. E, conhecendo Jesus, com esse conhecimento nós somos capazes de olhar para a vida de outra forma.

Por isso, é muito importante sentirmos que nos diálogos da nossa vida, tal como nos diálogos do Evangelho, o ponto principal é o conhecimento de Jesus. Que conhecimento é que nós temos de Jesus? Porque, porventura, precisamos de descobri-Lo de outra forma. Precisamos que o nosso conhecimento se torne um conhecimento efetivo e afetivo para que depois a nossa vida possa ser vista com outros olhos, com outra disponibilidade e com outra esperança.

É interessante que neste diálogo de mal entendidos vão atirando assim umas coisas como quem não quer. No fundo, às vezes parece que a conversa da samaritana é mais um desconversar. “Mas como é que Tu, sendo judeu, vens falar comigo? Tu dizes que tens aí a água e ofereces a água mas eu não te vejo com balde nem com corda. Como é que vais buscar essa água se o poço é fundo?” É assim um desconversar. Mas, quando Jesus Se vai manifestando, quando Jesus lhe diz “Se tu conhecesses o dom de Deus eras tu que pedirias de beber”, aos poucos, no coração daquela mulher há uma viragem que vai acontecer. Quando ela diz “Eu sei que há de vir um Messias” e Jesus diz “Sou Eu”, não “Sou Eu” em abstrato, “Sou Eu que estou a falar contigo.” Então, “Eu sou o Messias nesta relação, não sou o Messias dogmaticamente, Eu sou o Messias no encontro pessoal que tenho contigo. Eu sou o Salvador, sou Aquele que resgata a tua vida.” Quando a mulher descobre isto no fundo do seu coração, a sua vida transforma-se. Aquilo que eram obstáculos, impossibilidades, tornam-se coisas que são uma oportunidade para o grande encontro, são uma oportunidade para ela ser salva por Jesus, pelo conhecimento de Jesus.

S. Paulo, na Carta aos Romanos, diz-nos isso: “Vede o amor com que Deus nos amou dando-nos o Seu Filho, e um Filho que dá a vida por nós.” Não porque nós somos santos, não porque nós somos os melhores, somos os qualificados eticamente, somos aqueles que vão à frente do pelotão. Deus sabe, Deus sabe como nos arrastamos, Deus sabe a nossa dificuldade, Deus sabe os nossos obstáculos, Deus sabe aquilo que nos forma por dentro. Mas, S. Paulo lembra, por um santo, por um homem justo é normal que se dê a vida, mas por um pecador, por alguém que não merece… Ora, nisto vemos o amor com que Deus nos amou. Jesus ofereceu por nós Sua vida quando éramos pecadores. É esta palavra a que nos temos de agarrar. Que amor é este que se oferece inteiramente a nós quando somos pecadores? Não para premiar o nosso mérito, mas para estimular a nossa fraca esperança; não para nos arrancar do caminho percorrido mas para nos arrancar do caminho que não começa, que resiste a começar dentro de nós; não para dizer “Tu, de facto, cumpriste”, mas para dizer “Tu não cumpriste, tu não fizeste, tu ainda não deste o primeiro passo mas eu amo-te, eu amo-te, eu dou inteiramente a minha vida por ti.”

É este conhecimento de Deus, é este conhecimento de Jesus que mobiliza a nossa vida, que transforma a nossa vida. Por isso, o tempo da Quaresma é um tempo de reencontro com Jesus, é um tempo para aprofundarmos o nosso conhecimento, a nossa relação, não é apenas nós próprios estarmos com os nossos pontos de esforço, estarmos a modificar, a converter a nossa vida por nós próprios, não é disso que se trata. Trata-se de ampliar o conhecimento que temos de Jesus. Quem é este Jesus? No encontro com Ele como é que eu O escuto, como é que eu O descubro? Como é que eu recebo Dele a água viva? A água que desperta todo o meu ser, a água que me liberta da escravidão do meu ser, a água que me liberta da escravidão dos poços, a água que me dá a fecundidade interior, que me dá a liberdade, que me dá a esperança. Como é que eu me construo no diálogo com o próprio Jesus? Porque, o conhecimento de Jesus, o conhecimento do Seu amor é a pedra fundamental.

Por isso, queridos irmãs e irmãos, sintamos o grande desafio de na oração, na leitura da Palavra de Deus, na meditação, nos tempos de silêncio, de recolhimento da nossa vida, na Eucaristia ao longo desta Quaresma nós nos centrarmos na figura de Jesus. Porque, é quando nós descobrimos quem é Jesus que a nossa vida muda e muda para sempre. Não muda porque lhe damos uns retoques e fazemos umas práticas ascéticas que nos tornam um bocadinho mais aceitáveis, não é disso que se trata. Mas trata-se de receber o Espírito dentro de si, de receber o Espírito do Ressuscitado que nos transforma. “Eu Sou o Messias, Aquele que está a falar contigo.” Ele está a falar connosco, está a falar com cada um de nós, sintamos isso. E sintamos aquilo que os samaritanos dizem à mulher samaritana: “Antes nós acreditámos porque tu nos contaste do episódio da tua vida, agora nós acreditamos porque nós próprios vimos e sabemos que Ele é o Salvador do mundo.” Nós precisamos de ver e saber e reconhecer que Jesus é o Salvador, mas isso tem de passar por uma experiência interior, por uma experiência de relação, por uma experiência de fé que é sem dúvida o ponto mais essencial.

Hoje, o livro do Êxodo dá-nos uma imagem e, de facto, as imagens valem por mil palavras. É uma imagem de esperança, é uma imagem de confiança para nós que somos o Povo que caminha, para nós que vivemos tão tentados, tão ameaçados, tão expostos ao vento, tão expostos à sede, à tentação. Aquela imagem é uma imagem de força, porque, quando o Povo reclama e diz “Trouxeste-nos aqui para nos fazer morrer à míngua” Deus dá aquela vara a Moisés e Moisés toca na rocha e a rocha torna-se uma nascente. Isto é, a pedra que é o lugar mais seco, que é o lugar sem nada. Moisés toca com a vara de Deus na rocha e a rocha torna-se nascente. Esta é uma imagem de esperança para nós. Porque, se calhar o que trazemos dentro do peito é uma pedra, se calhar o que sentimos que é a nossa vida neste momento é uma rocha, se calhar aquilo que sentimos é uma sede. E é interessante que todos os personagens têm sede, o povo no deserto tem sede, Jesus tem sede, a samaritana tem sede, todos têm sede. Quer dizer, é a história da nossa vida, todos somos sedentos, todos temos sede, necessidades, estamos a caminho, estamos na luta pela sobrevivência.

Deus transforma a rocha, o obstáculo. Deus transforma o lugar onde é fácil cair, onde é fácil a esperança soçobrar numa nascente. O que é que salta desta imagem? Salta água fresca, mas salta sobretudo a confiança – nós podemos confiar, nós podemos confiar. E esta credibilidade de Deus que Jesus revela é que é a âncora das nossas vidas.

Queridos irmãs e irmãos, nós estamos num tempo de retiro, num tempo de manobras, num tempo para sacudir tapetes, para limpar as coisas dentro de nós, para vencer o inverno dentro de nós, para fazer irromper o verde da primavera dentro de nós. É um tempo de trabalhos interiores, é um tempo para dar-se luta, para apertar-nos, para dizer: vai, acredita, recomeça. Não te instales, não digas: ”Não consegui viver estas três semanas, acabou. A Quaresma já acabou, foi um fiasco”. Não, começa, é hoje o primeiro dia, é hoje o teu primeiro dia. Mas, que no centro desta experiência quaresmal, desta experiência penitencial esteja de facto o diálogo com Jesus, o encontro, a escuta de Jesus. Ele que vem ter connosco, Ele que se mete com a nossa vida, Ele que diz: “Tenho sede”.

Jesus tem sede de quê? Tem sede da nossa vida, tem sede da nossa esperança, tem sede dos nossos sonhos realizados, tem sede da nossa autenticidade, tem sede da nossa verdade, tem sede da nossa dádiva, tem sede do nosso dom, da nossa entrega, tem sede da superação de nós mesmos, do nosso egoísmo, tem sede da capacidade de servir, da amplitude de ser que está dentro de nós. Ele tem sede disso e Ele não desiste de nós. Nós estamos aqui, cada um de nós está aqui, pode pensar que é por uma outra razão qualquer, mas cada um de nós está aqui porque Deus não desiste de nós.

José Tolentino Mendonça
http://www.capeladorato.org