Segunda-feira, 18 de Dezembro de 2023
O Papa Francisco publicou a Exortação Apostólica Laudate Deum (LD) sobre a crise climática, dirigida a todas as pessoas de boa vontade, na festa de São Francisco de Assis, oito anos depois da inovadora Carta Encíclica Laudato si' (LS) sobre o cuidado da nossa casa comum. O ecoPapa regressa ao tema oito anos depois, porque o nosso «maltratado planeta» está a entrar em colapso e as alterações climáticas estão a causar estragos por todo o lado. O Papa explica:

«Já passaram oito anos desde a publicação da carta encíclica Laudato si, quando quis partilhar com todos vós, irmãs e irmãos do nosso maltratado planeta, a minha profunda preocupação pelo cuidado da nossa casa comum. Mas, com o passar do tempo, dou-me conta de que não estamos a reagir de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe, está-se esboroando e talvez aproximando dum ponto de rutura. Independentemente desta possibilidade, não há dúvida que o impacto da mudança climática prejudicará cada vez mais a vida de muitas pessoas e famílias. Sentiremos os seus efeitos em termos de saúde, emprego, acesso aos recursos, habitação, migrações forçadas e noutros âmbitos» (LD 2).

PLANETA MALTRATADO: O DIAGNÓSTICO

Os sintomas do «nosso maltratado planeta» devido às alterações climáticas provocadas pelo aquecimento global através da concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera são numerosos e claros: temperaturas mais elevadas, fenómenos meteorológicos extremos, ondas de calor frequentes, grandes secas e inundações, fortes tempestades de neve, etc. O gelo dos pólos e dos glaciares está a derreter a um ritmo alarmante subindo o nível do mar que inunda as zonas costeiras; as suas águas estão mais quentes, mais ácidas e com menos oxigénio, ameaçando a vida marinha.

Os pobres, que sofrem o pior impacto da crise climática através de problemas de saúde, perda de bens e deslocações forçadas, são responsabilizados (LD 8). No entanto, os países mais ricos são os grandes agentes das alterações climáticas.

«Se considerarmos que as emissões per capita nos Estados Unidos são cerca do dobro das de um habitante da China e cerca de sete vezes superiores à média dos países mais pobres, podemos afirmar que uma mudança generalizada do estilo de vida irresponsável ligado ao modelo ocidental teria um impacto significativo a longo prazo» (LD 72), sublinha o Papa no final da sua exortação.

Um estudo da Oxfam e do Instituto do Ambiente de Estocolmo sobre as emissões de carbono revela que os dez por cento mais ricos da população mundial — cerca de oitocentos milhões de pessoas — são responsáveis por metade das emissões globais de CO2, enquanto a metade mais pobre — cerca de quatro mil milhões de seres — emite apenas oito por cento.

Francisco aponta também o crescente paradigma tecnocrático — que proclama o credo do crescimento infinito e ilimitado e do poder humano, obtendo o máximo ganho com o mínimo custo — como outra das causas para a crise climática.

PLANETA MALTRATADO: A CURA

Para livrar a nossa casa comum do colapso, o Papa propõe repensar o uso do poder. Para equilibrar o progresso, a humanidade precisa também de «um desenvolvimento do ser humano quanto à responsabilidade, aos valores, à consciência» (LD 24).

A ecologia integral é outra resposta fundamental à crise climática. O Papa escreveu na Laudato Si' que é preciso «ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres» (LS 49). Na Laudate Deum, sublinha que «o ser humano deve ser considerado como parte da natureza» (LD 26). «Acabamos com a ideia dum ser humano autónomo, omnipotente e ilimitado, e repensamos a nós próprios para nos compreendermos de maneira mais humilde e mais rica» (LD 68), acrescenta.

Constatando a falta de vontade dos políticos em mudar o atual paradigma de desenvolvimento — que normalmente não vão além de frases de efeito bem elaboradas —, o Papa propõe um novo multilateralismo para contrariar a concentração de poder nas mãos de uma elite que ganha enormemente com os combustíveis fósseis. A iniciativa reforça a sociedade civil e a relação entre o global e o local, criando soluções «a partir de baixo» para a crise climática.

Francisco faz uma análise crítica das cimeiras regulares sobre o clima — COP ou Conferência das Partes. Algumas foram oportunidades perdidas. Os acordos para acelerar a transição energética, abandonando os combustíveis fósseis e passando a utilizar fontes renováveis, e para compensar os países mais pobres pelos danos causados pelo clima têm de ser aplicados na íntegra.

O Papa faz também uma lista de motivações espirituais, sublinhando a contemplação do universo como revelador da beleza e da riqueza de Deus, que se mantém unido ao Senhor ressuscitado em direção à sua plenitude.

«O mundo canta um Amor infinito; como não cuidar dele?» (LD 65), pergunta.

O ecoPapa convida todos a participar no «percurso de reconciliação» (LD 69) com a casa comum através de pequenos passos que incluem mudanças culturais, de estilo de vida e de convicções.

Conclui a sua reflexão com uma afirmação muito forte: «um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo» (LD 73). Por isso, temos de deixar Deus ser Deus.

ALGUMAS PROVOCAÇÕES MISSIONÁRIAS

Que desafios a Laudate Deum coloca à missão comboniana na Etiópia? Retiro cinco provocações concretas da Exortação Apostólica.

1. Pequeno é importante: «Pequenas mudanças podem provocar alterações importantes» (LD 17).

Os católicos na Etiópia são, de facto, uma Igreja muito pequena, com menos de um milhão de fiéis (cerca de 0,8 por cento da população). A província dos Combonianos também é pequena: 24 missionários em oito comunidades e mais dois a caminho. A pequenez pode criar um complexo de inferioridade, levando-nos a escondermo-nos na nossa zona de conforto — as nossas missões — à margem da sociedade.

No entanto, Jesus apresenta o Reino de Deus em termos de pequenez: um grão de mostarda, um pouco de fermento. Ele chama o seu pequeno rebanho para ser a luz, o sal e o fermento do mundo — três coisas que, em grandes quantidades, representam desastre seguro.

O Papa apela à Igreja Católica e aos Combonianos na Etiópia para que vivam a sua cidadania plena sem medo. A Igreja dá um grande contributo para a educação e a saúde. Deveria também ser uma voz profética líder para os que não têm voz em tempos de agitação ao longo de linhas de fratura étnicas a nível regional e nacional, especialmente em questões de Justiça, Paz e Integridade da Criação.

2. Humildade: «Repensamos a nós próprios para nos compreendermos de maneira mais humilde e mais rica» (LD 68).

Como Combonianos, passámos por uma grande mudança histórica, especialmente no Vicariato Apostólico de Hawassa: de fundadores com uma história missionária de grande sucesso, passámos a ser um grupo pequeno entre os seus muitos agentes pastorais.

Comboni queria os seus missionários santos e capazes... e humildes (Escritos 6655). Para Comboni, a humildade é uma virtude fundamental para o serviço da missão, «fundamento de todas as virtudes» (Escritos 2814).

Este processo de desempoderamento torna-nos participantes da própria kenosis de Jesus. A missão não é nossa. É missio Dei, missão de Deus. Somos humildes trabalhadores na vinha de Deus. Este processo de auto-esvaziamento deve também afetar a nossa relação com as pessoas que servimos e as suas culturas, tirando as sandálias do nosso etnocentrismo para decolonizar o serviço missionário.

3. Multilateralismo: «A globalização propicia intercâmbios culturais espontâneos, maior conhecimento mútuo e modalidades de integração dos povos que levarão a um multilateralismo “a partir de baixo” e não meramente decidido pelas elites do poder» (LD 38).

O multilateralismo é para a sociedade civil o que a ministerialidade é para a Igreja: um forte remédio para o elitismo e o clericalismo — onde os padres sabem tudo, fazem tudo e mandam em todos. Deve vir «a partir de baixo»: ao promover uma Igreja ministerial, temos de ouvir a comunidade cristã, dando-lhe poder e permitindo-lhe definir o próprio roteiro.

4. Transição energética: «Quanto à necessária transição para energias limpas, como a eólica, a solar e outras, abandonando os combustíveis fósseis, não se avança de forma suficientemente rápida» (LD 55).

O carbono é o principal agente da crise climática mundial. A transição energética para fontes renováveis é a única forma de a travar e inverter. Temos de reduzir a nossa pegada de carbono de duas formas: (1) preferindo a energia solar ao gasóleo para iluminar as nossas casas; (2) mantendo os nossos carros em bom estado de conservação, uma vez que não temos dinheiro para comprar veículos eléctricos ou novos. Outras medidas: programar viagens, partilhar carros e, sempre que possível, utilizar meios de transporte locais.

5. Percurso de reconciliação: «Convido cada um a acompanhar este percurso de reconciliação com o mundo que nos alberga e a enriquecê-lo com o próprio contributo, pois o nosso empenho tem a ver com a dignidade pessoal e com os grandes valores» (LD 69).

São muitas as escolhas que assinalam a nossa participação nesta reconciliação global. Entre elas distingo:

  • Optar por um estilo de vida simples, ecológica e economicamente sustentável para reduzir a pegada de carbono e contrariar o consumismo;
  • comer menos carne e mais proteínas de origem vegetal, uma vez que as vacas contribuem para o aquecimento global através do metano;
  • comprar a granel ou em embalagens maiores e escolher embalagens de vidro, papel ou metal para reduzir a poluição causada pelo plástico;
  • reduzir os desperdícios e reciclar;
  • comprar roupas em segunda mão nos mercados locais para contrariar a moda, que é responsável por dez por cento das emissões de carbono;
  • utilizar computadores, telemóveis e outros aparelhos até ao fim da sua vida útil, resistindo à tentação de mostrar o último modelo;
  • manter as nossas casas reparadas, sem perdas de energia e de água;
  • reflorestar os nossos terrenos com espécies autóctones, evitando o eucalipto.

«Tudo concorre para o conjunto» (LD 70), afirma Francisco. Juntemos a nossa pequena parte para salvar o planeta e a nós próprios da catástrofe eminente que paira sobre a nossa casa comum.

P. José da Silva Vieira, mccj