No tempo de Jesus, os leprosos representavam a figura do marginalizado absoluto. Outras doenças de pele também eram frequentemente identificadas de forma genérica como “lepra”. Na Lei mosaica (cf. Levítico 13–14), ela era considerada uma impureza ritual, não apenas uma doença física. O sacerdote tinha a tarefa de confirmar a enfermidade. [...]
“Levanta-te e vai; a tua fé te salvou!”
Lucas 17,11-19
No tempo de Jesus, os leprosos representavam a figura do marginalizado absoluto. Outras doenças de pele também eram frequentemente identificadas de forma genérica como “lepra”. Na Lei mosaica (cf. Levítico 13–14), ela era considerada uma impureza ritual, não apenas uma doença física. O sacerdote tinha a tarefa de confirmar a enfermidade. O leproso era declarado “impuro” e devia viver isolado da comunidade. Esse isolamento não era apenas sanitário, mas também religioso e social: acreditava-se que a lepra era um sinal de pecado ou de castigo divino. Viviam fora das aldeias, muitas vezes em grupos ou cavernas, sobrevivendo graças à caridade ou às esmolas deixadas à distância.
Curados, mas não salvos
Quando o grupo, de longe, grita: “Jesus, Mestre, tem piedade de nós!”, os leprosos não especificam o que desejam dele — talvez esperem apenas uma esmola. Mas quando Jesus os convida a irem apresentar-se aos sacerdotes, eles entendem que sua intenção é curá-los. São os sacerdotes, de fato, que devem atestar oficialmente a cura. Assim, confiando na palavra de Jesus, colocam-se a caminho.
Por que Jesus se lamenta com certa tristeza e decepção — bem visíveis na tríplice pergunta que faz — de que apenas o samaritano volte? Não porque esperasse um agradecimento! Não, Jesus esperava que o milagre fosse reconhecido como um sinal messiânico (cf. Mt 11,5 e Lc 7,22). Ou seja, que houvesse uma “conversão”, como no caso da cura de Naamã, o sírio, na primeira leitura: “Agora sei que não há Deus em toda a terra, senão em Israel” (2Rs 5,15).
No fundo, poderíamos dizer: mas que mal fizeram os outros nove? Obedeciam a Jesus e estavam indo aos sacerdotes. Iriam “louvar a Deus” no Templo, com um sacrifício; fariam festa com a família e, talvez, voltariam depois para agradecer a Jesus. Onde está, então, o erro?
Na realidade, apenas o samaritano — o mais excluído do grupo, considerado herege — é aquele que, como a samaritana no poço, reconhece que “chegou a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai” (Jo 4,21). Só o samaritano se “converte”. Jesus é o novo Templo, onde se louva a Deus, que não apenas cura o corpo, mas salva a pessoa em toda a sua profundidade. Os outros nove são curados, mas o seu processo de cura se limita ao físico. Permanecem ligados ao antigo Templo e ao seu culto. Apenas um é salvo. Ele chega à fé e reconhece em Jesus o Messias. Por isso Jesus lhe diz: “Levanta-te e vai; a tua fé te salvou!”.
Este episódio é como uma parábola que reflete também a nossa realidade cotidiana. Todos recorremos a Jesus para sermos curados de nossos males, mas poucos seguem o novo caminho que Ele traça. Preferimos os caminhos já conhecidos, aqueles que não nos colocam em questão.
Alguns pensamentos de aprofundamento do Evangelho
1. A vida e a fé em caminho
O trecho do Evangelho de hoje é um texto cheio de movimento: encontramos nele dez verbos de ação. É, de certo modo, uma imagem da existência, vivida como um caminho que vai do nascimento até a partida deste mundo. Talvez nenhuma outra metáfora expresse melhor o percurso da vida e da história.
A vida de fé é também um caminho, que começa no batismo e se dirige — percorrendo trilhas e estradas diversas, muitas vezes imprevisíveis — à meta celeste. Tudo na fé é vivido e experimentado “em caminho”, passo a passo, com esforço e perseverança.
O relato de hoje pode ser lido como uma alegoria da humanidade e da fé cristã. Os leprosos são dez — um número que representa a totalidade. Todos os dez são curados, agraciados, mas apenas um é salvo pela fé. Todos usufruem dos dons de Deus, mas poucos retornam para louvar e partir salvos. Onde não há gratidão, o dom se perde, diz o teólogo Bruno Forte.
2. Um caminho de “graça”
A vida e a fé são, antes de tudo, marcadas pela gratuidade: são dons. O desenvolvimento desses dons exige a contribuição de muitas mãos amorosas. É por isso que “obrigado” é uma das palavras mais frequentes em nosso vocabulário cotidiano. É um movimento espontâneo, embora às vezes possa tornar-se mecânico. Dizer obrigado não é mera questão de etiqueta, mas uma atitude de vida. Significa conceber a existência não como um “tomar”, mas como um “receber”.
Se isso é verdadeiro no cotidiano, é ainda mais na vida de fé. O texto grego diz que o samaritano se lançou aos pés de Jesus “agradecendo”: eucharistōn. Nesse verbo aparece a palavra charis(graça), de onde vem eucharistía. Dizer “obrigado” torna-se ação de graças — “Eucaristia”.
Na Bíblia, o agradecimento acompanha cada passo do crente: o próprio Jesus age continuamente agradecendo ao Pai. Segundo São Paulo, a Igreja é chamada a ser um povo que abunda em agradecimento. Em suas cartas encontramos inúmeros convites para dar graças a Deus continuamente, em tudo e a todo momento: “Dai sempre graças por tudo a Deus” (Ef 5,20).
3. Uma vida sem bênção é sem graça e torna-se desgraçada
Diz a tradição judaica: “Quem usufrui de qualquer bem neste mundo sem antes dizer uma oração de agradecimento ou uma bênção comete uma injustiça.” A ingratidão nos torna insatisfeitos, críticos, resmungões, pessimistas. Da lógica do dom e da acolhida passa-se à lógica da conquista voraz, que reivindica, exige, reclama, desconfia...
Uma vida sem bênção é sem graça, e com o tempo torna-se desgraçada; por fim, transforma-se em um “inferno”: o lugar — ou melhor, a condição — de quem não reconhece a graça, torna-se incapaz de acolher o dom e, portanto, recusa-se a agradecer.
4. “E os outros nove, onde estão?”
É a pergunta que Jesus também dirige a nós. A nós que, por graça, “aqui estamos”, voltamos para fazer “eucaristia”. Penso nas multidões afastadas do Pai de todo dom (Tiago 1,17), nas nossas igrejas vazias, nas famílias perdidas... Acolher essa pergunta significa ter a coragem e o amor de responder a Jesus: “Eis-me aqui, estou também em nome deles para te dizer: obrigado!”
Para cultivar a graça e a bênção
A capacidade de agradecer deve ser cultivada. Eis um exercício para fortalecê-la:
Entrar cada manhã no novo dia não pela porta exterior do fazer, da pressa pelos problemas a enfrentar, das mil preocupações que nos assaltam, mas pela porta interior do coração: a da consciência do dom de um novo dia, do agradecimento e do louvor.
Este primeiro passo dá ritmo ao andamento do dia e determina sua qualidade e sua cor — cinzenta ou luminosa. De fato, há duas maneiras completamente diferentes de retomar, a cada dia, o caminho da vida: entrar no dia abençoados e voltar agradecendo, ou entrar e sair dele sem graça!
Pe. Manuel João Pereira Correia, mccj
Gratidão:
o agradecimento é a memória do coração
Lucas 17,11-19
Atradição judaica transmite este ensinamento: “Aquele que desfruta de um bem qualquer neste mundo sem dizer antes uma oração de gratidão ou uma benção, comete uma injustiça”. A ação de graças está no coração mesmo da liturgia e da oração cristãs. A sorte e a felicidade do cristão consistem em poder dar graças a Alguém. O maior drama vivido por um ateu é não ter a Quem agradecer.
A pessoa compreende que “tudo é dom e graça de Deus” e esquecer de agradecer é passar ao lado daquilo que constitui a beleza da vida. Agradecer é muito mais que dar graças. Implica reconhecimento e correspondência. “Ali onde não há gratidão, o dom fica perdido” (Bruno Forte).
Lucas situa o relato de hoje no caminho de subida a Jerusalém, no limite entre Galileia e Samaria, lugar chave de disputas religiosas. Os leprosos que saem ao encontro de Jesus e gritam de longe pedindo-lhe que os cure, são dez. Significativamente, a lepra não distingue entre judeus e gentios, galileus e samaritanos. Todos são irmãos na miséria.
No relato podemos identificar os mesmos componentes presentes em outras narrações semelhantes de curas: apresentação da situação de enfermidade (“dez leprosos vieram ao seu encontro”), petição de cura (“Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!”), intervenção de Jesus (“Ide apresentar aos sacerdotes”), cura (“enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados”) e reação diante do milagre.
É este último elemento que está mais desenvolvido na cena, e nele enfatiza-se o contraste da atitude de um dos leprosos (um samaritano que volta para agradecer a Jesus) com a dos outros nove. Na realidade, os outros nove leprosos curados não fazem senão cumprir as instruções de Jesus: ir e apresentar-se aos sacerdotes. Mas só um tem a suficiente finura espiritual para reconhecer profundamente o dom recebido e, deixando de lado as prescrições legais, dá primazia à expressão de agradecimento.
A gratidão parece apresentar-se aqui como um plus, como algo que deveria brotar com naturalidade nas relações humanas e na vida de fé, e não como uma atitude estatisticamente minoritária (um entre dez).
O samaritano sente que para ele começa uma vida nova; de agora em diante, tudo será diferente: poderá viver de maneira mais digna e ditosa. Sabe a quem ele deve isso. Precisa encontrar-se com Jesus.
Esta é a fé do samaritano que confia em Jesus, que crê no agradecimento mais que nas leis do sistema religioso. O agradecimento como atitude vital parece requerer, pois, uma especial sensibilidade espiritual, precisamente essa que encontramos nos santos e santas.
Caberia perguntar-nos quais são as razões que nos dificultam esta vivência da gratidão, quando esta deveria brotar de modo espontâneo e natural frente a tanto bem recebido.
No início de uma carta de Santo Inácio a um de seus primeiros companheiros, Simão Rodrigues, lemos isto: “À luz da divina bondade me parece que, embora outros possam pensar de modo diferente, a ingratidão é o mais abominável dos pecados aos olhos de nosso Criador e Senhor, e de todas as criaturas capazes de aproveitar-se em sua divina e eterna glória. Já que é esquecimento das graças, bens e bençãos recebidas; e além disso aqui se encontra a causa e começo de todos os pecados e desgraças. Pelo contrário, a gratidão que reconhece as bênçãos e bens recebidos é estimada e amada não só na terra senão também no céu” (18 de março – 1542).
Na vivência cristã, a gratidão nasce com naturalidade e espontaneidade nos corações humildes, nas pessoas conscientes de que aquilo que recebem não é por mérito ou retribuição. Tudo é gratuidade.
Elas adquirem a fina percepção de que tudo é Graça, tudo é “de graça”, são “agraciadas”, “cheias de graça”… Precisamente porque perceberam suas vidas como um presente, voltam-se para Deus, entregando-lhe “tudo o que têm e possuem”.
Marcada pela gratidão, a pessoa deseja sempre corresponder o melhor, rejeitando todo tipo de mediocridade na entrega e no serviço.
O agradecimento é uma atitude fundante e fecunda que possibilita viver o cotidiano com outro “sabor”, com outro “ar”. Do agradecimento brota um estado interior de consolação, de disponibilidade, de agilidade em dar resposta às demandas da vida, de uma sensibilidade mais viva para perceber tudo aquilo que a vida cotidiana tem de dom e sem ansiedade por não receber compensações ou recompensas.
O agradecimento é a experiência humana que mais ativa a generosidade como atitude vital de nossa existência de criaturas amadas e presenteadas por Deus.
O agradecimento como atitude básica na vida é a tomada de consciência daquilo que estamos recebendo, a acolhida dos bens que nos são dados e das pessoas que nos vêm ao encontro; é viver não tanto dependente daquilo que cremos que merecemos e não nos dão, quanto daquilo que, sem haver merecido, nem esperado, nem pedido, recebemos e continuamos recebendo no dia a dia.
Esse “agradecer” de fundo, esse viver “agradecidamente” não nos é favorecido pela cultura consumista que nos incita a estar sempre mais dependentes daquilo que não temos que daquilo que nos é dado com abundância; uma cultura que fomenta e aviva uma eterna insatisfação, matando a capacidade de “recordar tantos benefícios recebidos pela criação, redenção e dons particulares” (S. Inácio).
O que é que se encontra “de graça”? Onde? Quem pratica essa aventura da “mão aberta”, da largueza de coração? Há aqueles que não conhecem a palavra “gratuito” e, por isso, são petrificados frente à gratidão. São surdos e mudos para o “muito obrigado”.
A gratidão é alegria, a gratidão é amor. É por isso que ela se aproxima da caridade, que seria como uma gratidão sem causa, uma gratidão incondicional. Que virtude mais leve, mais luminosa, mais humilde, mais feliz!!! Gratidão = desfrutar a eternidade no cotidiano da vida.