O P. Giuseppe Simionato foi encontrado morto no seu leito, na manhã de quarta-feira 27 de Fevereiro, na residência da paróquia de Nossa Senhora das Graças, em Porto Velho, capital do Estado brasileiro de Rondónia. Desde há alguns dias estava só porque o seu companheiro de comunidade tinha partido a toda a pressa para Portugal, por motivos familiares. Já estava programada a chegada de um confrade para lhe fazer companhia e para o trabalho pastoral. Cerca de um mês antes da morte tinha estado em São Paulo para controlos médicos e, também dessa vez os resultados eram bons, mesmo pelo que dizia respeito ao coração. Porém, nos últimos tempos, com a sua característica discrição, dizia ter tido alguns problemas cardíacos sérios, pelo que o médico lhe aconselhara uma intervenção cirúrgica urgente. Assim, quando lhe foi perguntado se preferia voltar para Itália, disse que sim e estava a preparar-se para partir. Infelizmente os acontecimentos precipitaram-se para além de qualquer previsão.
Passou o dia de terça-feira em companhia do P. Franco Vialeto, que tinha vindo visitá-lo da longínqua paróquia de Cacoal. A última pessoa com quem falou foi o seu amigo Eudes, ao qual confidenciou sentir-se um pouco agitado. Deixaram-se às 23 horas. Na manhã seguinte, Eudes, não o vendo chegar à igreja, pediu ao secretário da paróquia que fosse ver se precisava de alguma coisa. O secretário, entrando no quarto, encontrou-o sem vida: o corpo estava estendido na posição habitual e o rosto estava sereno, sinal de que se tinha apagado no sono. O médico diagnosticou um enfarto agudo.
Assim, poucos meses antes de completar 84 anos, o P. Giuseppe terminava a sua longa vida missionária (53 anos) no Brasil. Foi um dos primeiros Combonianos a obter a nacionalidade brasileira, sem perder a italiana: dois grandes amores que ele não escondia. Escolheu mudar de nome, tornando-se oficialmente José, popularmente Zé e mais afectuosamente P. Zezinho.
A notícia da sua morte espalhou-se rapidamente pela cidade e por todo o Estado de Rondónia, chegando às várias regiões do Brasil onde tinha vivido: Espírito Santo, Mato Grosso, São Paulo, Belo Horizonte. As expressões de dor, mas sobretudo de admiração e reconhecimento, multiplicaram-se.
No funeral, realizado no dia a seguir à morte na igreja repleta de fiéis, durante a Missa concelebrada por dois bispos e muitos sacerdotes, foi recordada a sua figura de missionário, pastor de comunidade e grande companheiro na defesa dos direitos do povo, sobretudo dos camponeses, sempre em luta pela Reforma Agrária. A representante do mais importante Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) disse: «Morreu o nosso comandante».
Numa longa carta, o P. Zezinho Iborrá, representante da «Comissão Pastoral da Terra» (CPT), organismo da Conferência Nacional dos Bispos Brasieliros (CNBB), escreveu: «Termina assim a trajectória do mais antigo militante da luta pela terra na Rondónia, durante trinta anos missionário no nosso Estado. Pastor atento aos vários problemas e sofrimentos das famílias, acolhia todos com paciência e amor, sem dizer não a ninguém». Na celebração eucarística, colaboradores e companheiros de luta partilhavam as dificuldades que o povo enfrentava.
Em 1979 o P. Zezinho fazia parte do grupo que fundou a CTP em Rondónia. Acompanhava os camponeses e os imigrantes que chegavam incessantemente à procura de terra e que muitas vezes eram agredidos pelos grandes latifundiários que ocupavam ilegalmente a maior parte do território. Desde os primeiros anos da chegada dos Combonianos à região, o P. José ocupou-se da formação do sindicato dos camponeses e da organização de associações e cooperativas de pequenos agricultores.
Aproveitando a sua antiga experiência educativa, iniciou, juntamente com o P. Franco Vialeto, a primeira Escola Família Agrícola (EFA) de Rondónia, para a educação dos jovens agricultores. Esta iniciativa difundiu-se em diversas partes, com várias EFA que ainda hoje são ponto de referência para a educação dos camponeses e também dos indígenas.
Prestava qualquer tipo de apoio ao MST e a outros movimentos de luta pela conquista da terra. Recebia-os nas dependências da paróquia, ia celebrar aos seus acampamentos, participava nas assembleias, atendia os responsáveis que o procuravam para receber conselhos.
Damos agora algumas notícias sobre a sua vida. O P. Giuseppe nasceu em Trebaseleghe (PD), a 19 de Junho de 1924, de Vittorio e Margherita Barbiero, que tiveram 8 filhos, dos quais 5 ainda vivos. Os familiares contam: «Aos 12 anos, Giuseppe entra no Seminário diocesano de Treviso (a diocese de Pádua não tinha ainda um Seminário), onde permaneceu durante todo o período da guerra. De temperamento reservado e afectuoso, muito activo e determinado, estava sempre pronto para ouvir. Entre outras coisas, dirigia o coro e tocava violino. Quando vinha a casa para férias, levantava-se muito cedo para ajudar os irmãos no trabalho do campo e poder, ir à Missa das 6». Terminada a teologia, decidiu tornar-se Missionário Comboniano, com o desejo de ir para a África, apesar de a mãe ter preferido que fosse sacerdote diocesano ou salesiano. Por isso, o P. Giuseppe sentiu-se mal quando foi destinado ao Brasil e não à África.
Passou dois períodos de tempo em Portugal, ajudando nas paróquias, estudando a língua e fazendo também um curso de primeiros socorros. Em 1955 partiu para a sua destinação no Brasil: como confessou mais tarde, tinha um grande medo da viagem por mar.
Pôde voltar à Itália só após sete anos e quando os pais faleceram não pôde estar presente nem sequer no funeral. De facto, quando a mãe adoeceu, conseguiu assisti-la durante alguns meses, depois voltou para o Brasil e a mãe, alguns meses depois, faleceu. Recordo aquilo que nos contou, há alguns anos, falando-nos do seu adeus a Rondónia, depois do seu período mais longo em Porto Velho: «uma vez que não posso ter nada de meu, plantei uma árvore de fruto, sinal das raízes que me ligam àquela terra e dos frutos que deixo como dom».
Assim o recordam os nossos confrades. «Em primeiro lugar, era um grande amigo de todos. Era de uma grande disponibilidade, a toda a hora. Esteve presente em quase todas as nossas casas brasileiras, sempre disponível para cada abertura, enfrentando com coragem as diversas situações. Tinha uma atenção especial para a educação. Fundou escolas primárias e escolas-família (EFA). Sempre muito atento e empenhado em campo social. Aberto ao diálogo respeitoso» (P. Andrea Pazzaglia).
«O P. Simionato, mais do que qualquer outro, soube dar um toque especial ao trabalho pastoral, como visão e fermento social na totalidade, não como um aspecto separado dos outros. Muito empenhado no campo da educação. Trabalhando na diocese de Vitória, pôs-se em total sintonia com o espírito de renovação profundo daquela diocese. As suas numerosas deslocações de lugar e comunidades podem ser interpretadas como vontade de se abrir a novas realidades, levando sempre consigo a sua visão social. A sua última missão em Porto Velho confirmou esta sua opção de modo claro e concreto. Abriu e organizou espaços da paróquia para vários organismos sociais. Nunca se detinha perante conflitos mas, em geral, sofria com isso em silêncio. Sem dúvida, o seu coração ressentia-se com isso» (P. Pietro Bracelli).
Outros confrades acrescentaram: «O P. Zé era humilde e decidido. Estimava a simplicidade. Acolheu e abraçou com decisão e com invejável clareza mental os novos tempos da renovação da Igreja e da missão, sempre com uma visão aberta, em espírito de paz, pouco dado à polémica.
É preciso também sublinhar a maneira como acolhia os confrades que chegavam para trabalhar com ele: confiava-lhes o trabalho a fazer, mostrando uma total confiança e respeitando as responsabilidades de cada um».
Eis as palavras de um casal, em representação de numerosos amigos, não Combonianos: «O P. Zé estava muito atento às pessoas, perguntava-nos sempre como estava a família. Não era um interesse superficial: escutava com paciência e amor. E não se poupava a sacrifícios, como daquela vez em que viajou de autocarro durante dois dias e uma noite para ir visitar uma família onde tinha falecido o chefe de família».
(P. Alcides Costa)