O P. Arcangelo Petri nasceu a 11 de Novembro de 1924 em Segonzano, uma pequena aldeia de Val de Cembra, em Trento, aldeia que foi berço de diversos missionários e missionárias combonianos. Assim se descreve a origem da sua vocação: «Vieram a Nossa Senhora da Ajuda os Combonianos, missionários da África. Alguns deles idosos missionários falavam-nos da África e convidavam-nos a ir para lá». Arcangelo entrou no Seminário Menor dos combonianos em Trento e, no fim do noviciado em Florença, fez os votos temporários a 7 de Outubro de 1944. Depois dos votos perpétuos, em 1949, foi ordenado sacerdote a 3 de Junho de 1950. Durante três anos desenvolveu o seu serviço nas casas de Trento e Gozzano até que, em 1933, foi enviado para o Sul do Sudão.
No Sul do Sudão, é destinado à missão de Cukudum, entre os Didinga. «Senti-me de imediato à-vontade. Naturalmente era uma missão bastante difícil, porque todas as expedições tinham de ser feitas a pé. Para a expedição mais curta, como mínimo, era preciso fazer 4 ou 5 horas de viagem. Mas, era um serviço que dava grande satisfação, porque se entrava continuamente em contacto com as famílias. Passava-se de aldeia em aldeia. Onde havia uma capela, parávamos pelo menos durante uma semana. A população respondia muito bem. Posso dizer que naqueles 11 anos houve uma grande mudança: no início, tínhamos poucos cristãos, mas quando parti dali os baptizados eram quase 15.000».
Em 1964 é expulso do Sul do Sudão juntamente com todos os outros missionários. Foi um duro golpe mas, com o bispo Sisto Mazzoldi e juntamente com outros confrades, passou directamente do Sudão para o Uganda, na região do Karamoja, que naquele tempo era parte da diocese de Gulu.
A chegada inesperada de um grande número de missionários com um bispo facilitou a criação da diocese de Moroto e o próprio Dom Mazzoldi se tornou o seu primeiro bispo. No sul do Karamoja, na zona de Moruita, tinham sido criados campos de refugiados para acolher os refugiados sudaneses fugidos para o Uganda na sequência da guerra civil entre o Norte e o Sul do Sudão. Muitos destes refugiados provinham de Cukudum, pelo que o P. Arcangelo reencontrou-se entre a sua gente.
Foi destinado à missão de Amudat, não distante de Moruita, entre a população Pokot. Com a paz assinada em 1971 entre o governo do Norte do Sudão e os rebeldes do Sul, os refugiados regressaram ao país e os campos de Moruita foram encerrados. Em 1972 o P. Arcangelo foi destinado à missão de Namalu, situada na fronteira sul do Karamoja, numa zona muito fértil que congregava gente de vários grupos Karimojong que, tendo perdido o seu gado por causa das razias, tentavam sobreviver com a actividade agrícola. Foram anos difíceis de todos os pontos de vista: as razias desnorteavam a vida das comunidades, a gente estava mais interessada nas coisas materiais do que no Evangelho, o ditador Amin governava com mão pesada e os massacres de potenciais opositores estavam na ordem do dia; a expulsão dos ingleses e dos indianos, e também de alguns missionários, deixou todos embasbacados, na incerteza quanto ao futuro da missão.
Em 1977, o P. Arcangelo foi nomeado reitor do Seminário Menor de Moroto, situado em Nadiket a poucos quilómetros de Moroto. Aqui viveu os anos cruciais do período de instabilidade e insegurança. Como conselheiro provincial e representante dos confrades da diocese de Moroto, teve ocasião de visitar todas as missões da zona e conhecer a gente.
O carácter indómito, a clareza nas decisões e a coragem no defrontar situações de crise, em particular nos vários períodos de guerra, primeiro com a queda de Amin em 1979, depois durante os vários golpes de estado uns a seguir aos outros até 1986, ano em que tomou o poder o actual presidente Museveni, granjearam-lhe o respeito mesmo dos guerrilheiros Karimojong. Foi várias vezes detido pelos guerrilheiros Jie, mas sem trágicas consequências porque sabia como desafiá-los e, em certo sentido, fazer-lhes frente.
Em 1981 Dom Mazzoldi deixou a diocese de Moroto por ter atingido o limite de idade e o novo bispo, Dom Paul Lokiru Kalanda, pediu ao P. Arcangelo para ser seu vigário geral. Depois de um breve período passado na paróquia de Naoi (1983-1984), o P. Arcangelo voltou para o Seminário de Nadiket para substituir o reitor. Os numerosos encargos (além de ser vigário geral e reitor do Seminário, fazia também parte do conselho de administração da diocese), as viagens em visita às missões por estradas em péssimas condições, as contínuas tensões causadas pelas razias e pelos frequentes assaltos às missões, incluindo o Seminário, minaram a sua saúde. Dado que sofria de calcificação das vértebras cervicais e de um contínuo problema de coluna, em 1986 antecipou as férias, para procurar uma solução para as dores que o faziam sofrer muito. Fez muita terapia mas teve poucos resultados. De facto, as dores e as dificuldades de movimento acompanharam-no para o resto dos seus dias.
Ao seu regresso ao Uganda, no final do mesmo ano, é novamente destinado à comunidade dos Naoi, na expectativa da abertura da casa comboniana em Regina Mundi, para onde se mudou no ano seguinte. Entretanto, continuando o seu serviço na diocese como vigário geral, pôde ocupar-se, em particular, do clero diocesano e do apoio à diocese.
No final de 1987, na conclusão do seu mandato como vigário geral, o P. Arcangelo foi enviado a abrir a missão de Karenga que, situada no extremo norte na fronteira com o Sudão, tinha sido fechada alguns anos antes por causa dos ataques dos Karimojong e ocupada pelo exército regular. Em 1988 os soldados deixaram o lugar e o P. Arcangelo pôde reabrir a missão, ainda que a muito custo. A vida em Karenga não foi fácil, quer do ponto de vista pastoral quer devido às suas dores de coluna que não o deixavam em paz. Falando deste período, o P. Arcângelo, numa entrevista, dizia: «Não há nenhuma loja nesta zona, habitada por cerca de 15.000 pessoas, pelo que de Kotido levamos à gente sal, sabão, material escolar (há 2.500 alunos). Pensamos fazê-lo enquanto não surgir outra solução. Mas procuramos não limitar-nos a isso: com a catequese ajudamos os fiéis a redescobrir no Evangelho e na Igreja o caminho do perdão e da tolerância e a compreender os erros cometidos. Mais do que um centro assistencial, queremos que a missão seja o centro de uma grande família que procura viver na solidariedade».
Voltou a Itália para as férias com um ulterior problema físico, a perda da voz. Escrevia: «padecer da coluna ou da cervical ainda vá, mas perder a voz para um missionário é uma limitação que o incapacita precisamente naquilo que é essencial à sua missão». Regressado ao Uganda, foi destinado à missão de Kanawat como ecónomo, mas não permaneceu muito tempo porque, mais uma vez, teve de voltar para o Seminário de Nadiket (1993) como superior da comunidade e na expectativa da chegada do novo reitor, o P. Guido Oliana. Com a chegada do P. Oliana, foi destinado a Matany como superior. Era o ano de 1994. Entretanto, os problemas de saúde aumentavam e as suas férias tornavam-se apenas períodos de terapia. Em 1997 passou novamente para Naoi, depois foi para Kanawat. Daqui, foi transferido primeiro para Loyoro, em 1998, depois para Kapedo, em 1999, e de novo para Loyoro.
O provincial, P. Oliana, numa carta de transferência recorda ao P. Arcangelo que também «os missionários são semi-nómadas como os Karimojong». O P. Arcangelo fez muitas vezes de “tapa-buracos”, mas fê-lo sempre com liberdade de coração, com grande espírito de obediência e pelo amor dos confrades e da gente.
Em 2000 encontramo-lo em Verona para exames médicos e tratamentos vários e a permanência no centro de doentes prolonga-se mais do que o previsto. De Verona passa para Arco e outros achaques se juntam aos que o acompanham desde há tempos: tensão alta, enxaquecas, problemas de próstata. Entretanto expira o prazo do bilhete de avião de regresso ao Uganda e a partida adia-se para data indefinida. Em 2003 recebe a carta de transferência da província do Uganda para a de Itália e comenta: «já o esperava porque o regresso à missão é materialmente impossível».
O coração do P. Arcangelo permanece contudo no Uganda e em Karamoja, como o demonstram também as suas frequentes cartas ao provincial e aos confrades.
Tive ocasião de me encontrar com o P. Arcangelo algumas vezes durante as minhas passagens por Milão. Por fim tinha perdido também a audição e isso levava-o a isolar-se no seu quarto com as suas recordações e em contínua união com o Senhor. Agora o seu coração, que viveu intensamente e só para a missão, cedeu e o Senhor acolheu-o no seu Reino aos 85 anos de idade, depois de uma vida gasta como pescador de almas.
(P. Giuseppe Filippi)