Domingo, 9 de Agosto de 2015
Existe um método comboniano de trabalho missionário? Em caso afirmativo, em que consiste? Para responder a estas e a outras perguntas sobre o que é a missão/evangelização, o P. Mariano Tibaldo [na foto] fez uma pesquisa sobre o que os combonianos foram dizendo sobre a evangelização – a natureza, o fim e os itinerários da evangelização, as suas áreas e horizontes; os responsáveis pela evangelização e as dimensões espirituais do missionário – ao longo dos Capítulos Gerais do Instituto, desde 1969 a 2009.

Este artigo foi escrito no seguimento da publicação da “Ratio Missionis” (RM) do Instituto comboniano. A RM tinha sido uma tentativa de definir o que era a missão para os Missionários Combonianos do século XXI, e em que constava em termos de atitudes, critérios e escolhas. Na verdade, a pergunta que muitos combonianos se faziam, era se havia um método de trabalho ou estilo de missão que nos distinguisse dos outros Institutos missionários. A RM, para a decepção de muitos, não conseguiu responder a esta inquietação de uma forma exaustiva. Achou-se por bem, portanto, investigar como os Capítulos Gerais do Instituto trataram o tema da evangelização/missão ad gentes e, ao mesmo tempo, analisar as temáticas de fundo que preencheram os debates capitulares. Na realidade, em cada Capítulo Geral, procurava-se “dar razão” ao que e ao como se fazia, ou seja, elaborava-se, embora nem sempre de forma articulada, uma “Ratio Missionis” adaptada aos tempos que se estavam a viver naquele momento.

 

P. Everaldo de Souza Alves,
missionário comboniano,
na República Centro-Africana.

 

Sendo assim, o estudo – que compreende os Capítulos Gerais de 1969 a 2009 – aborda, para cada Capítulo Geral, os seguintes temas: natureza e fim da evangelização, as suas áreas e horizontes (ou seja, aonde e a quem se dirige a acção missionária, isto é o contexto no qual esta actividade tem lugar); os itinerários da evangelização (ou melhor, as modalidades através das quais ela vem explicada); os responsáveis pela evangelização e as dimensões espirituais do missionário.

Nem todas os Capítulos tiveram a mesma relevância e a mesma importância: os dois Capítulos de 1969 e 1975 foram os que definiram significativamente as linhas fundamentais da missão comboniana: estes Capítulos libertaram a missão de uma visão em termos estritamente geográficos e orientaram-na na direcção das pessoas, isto é “os mais pobres e abandonados, tanto no sentido sociológico como religioso” (isto é, as duas dimensões que se deveriam manter sempre unidas, a fim de se poder justificar a nossa presença).

Cada capítulo, enfim, deu um contributo original à evangelização. Assim, é de esperar que o próximo Capítulo Geral também “dê razão” à missão comboniana, na complexidade do mundo de hoje, procurando escutar “o que o Espírito de Deus diz às Igrejas”.

A evolução dos conteúdos, das modalidades e do termo “evangelização ad gentes”
nos Capítulos Gerais de 1969 a 2009

 

Missionários combonianos,
que participaram
no Fórum Social Mundial,

de 24 a 28 de Março de 2015,
em Tunes, na Tunísia:
P. Fernando Zolli, Itália,
P. Joseph Mumbere M., R.D. do Congo,
P. Daniele Moschetti, Sudão do Sul,
P. Isaiah Nyakundi Sangwera, Etiópia,
P. Jean Claude Kobo, R.D. do Congo.

 

O P. Antonio Vignato, nos primeiros anos do século passado, no Sudão, após a Mahdia, perguntava-se como se deveria organizar uma missão, considerando que não existiam modelos a imitar e que nenhum dos missionários, naquele período, tinha uma experiência para partilhar a este respeito; na verdade, a revolução Mahdi tinha cancelado o trabalho missionário por quase duas décadas e não existiam, no Sudão, manuais que orientassem a actividade missionária.

Nas três missões do sul do Sudão, tinham-se consolidado dois critérios de trabalho: por um lado, aquele dos que consideravam que para “fazer” cristãos era preciso primeiro “torná-los pessoas”, dando, por isso, prioridade à “assistência caritativa”; e o critério, por outro lado, dos que achavam que primeiro era necessário “fazer bons cristãos” para, de consequência, obter “homens bons” e, portanto, a educação religiosa deveria ser prioritária em relação à chamada “beneficência” [A. Vignato, Note storiche sulla missione del Bahr-el-Gazal, in <<Bollettino della congregazione>>, (1959) 33, pag. 1252-1253].

 

P. John Converset,
durante o Fórum Social Mundial 2015,
em Tunes, na Tunísia.

 

Naturalmente, as questões levantadas não eram mera teoria missionária, mas eram o resultado de um contexto particular, no qual trabalhavam os primeiros missionários, em contacto com uma população empobrecida pelos anos de escravidão e pela destruição das culturas e da coesão social, e dizimada pela fome e pelas doenças. Dois métodos de “organizar uma missão”, cada um promovido por duas figuras extraordinárias: o Vigário Apostólico Franz Xaver Geyer tendia para o desenvolvimento humano como primeiro passo, antes de iniciar a formação religiosa; e o P. Antonio Vignato que favorecia, em vez, como dito atrás, uma orientação cuja abordagem dava a prioridade à formação religiosa como tarefa principal.

O princípio de Vignato será aquele que será adoptado nas nossas missões tanto do Sudão como da Uganda; um princípio que, então, seria enriquecido por um verdadeiro método missionário que viria a ser apresentado na sua “Recolha de sugestões e doutrinas de utilidade prática para o jovem missionário”.

O método de “como organizar uma missão” manteve-se inalterado (pelo menos nas missões do Sudão e da Uganda) até aos anos sessenta do século passado, quando, sob a pressão das mudanças que ocorriam na sociedade africana e na Igreja e em contacto com os novos campos de trabalho, começou-se a pôr em causa este método e a procurar novas formas de presença. Não só. A ênfase dada à primigenia inspiratio e, portanto, sobre a particularidade carismática do ser missionário comboniano, fez surgir a pergunta se, também, existia um método de trabalho específico. Daí, então, os esforços para especificar, nos anos seguintes, o método comboniano de actividade missionária através de várias formulações do tema, com algumas tentativas de resposta sobre: o método de apostolado, a metodologia missionária, a metodologia missionária comboniana, a ratio evangelizationis, e a ratio missionis.

Até agora, porém, este longo processo não conduziu a formulações conclusivas e o tema, para dizer a verdade, parece desgastado. Além disso, parece um facto por demais estabelecido que tanto a era dos manuais como a pretensão de reduzir a missão a princípios, normas e regras gerais estão fora de questão. Contudo, isto não nos isenta de questionar-nos se, na verdade, existe uma nossa especificidade de método de trabalho e em que coisa este consista.


P. González Galarza Fernando,
missionário comboniano,
no Sudão do Sul.

 

Os temas de fundo

Existem dois eixos principais que caracterizaram a identidade do missionário comboniano e que foram claramente elaborados a partir de 1969: a referência à figura de Comboni como fundador e horizonte ideal e a missão/evangelização “ad gentes” como critério das escolhas de vida do Instituto.

“Nascido da missão e para a missão – diz o Capítulo de 1969 – é à missão que o Instituto deve continuamente referir-se. Todas as suas estruturas, as obras, as Constituições que o regem, a formação dos seus membros, o estilo de vida e as actividades que eles realizam devem inspirar-se a um fim especificamente missionário. A sua própria espiritualidade está ligada ao carisma da vocação missionária [...] do mesmo modo como a viveu Comboni e os membros mais representativos do Instituto” [Documenti Capitolari 1969, Parte Prima, no. 65].

 

Ir. Mario Camporese,
missionário comboniano,
na Etiópia, em 1991.

 

Investigar sobre evangelização/missão “ad gentes” e analisar, na medida do possível, como alguns temas de fundo, relacionados com esses conceitos, foram desenvolvidos, é o objectivo deste trabalho. Tais questões – seguindo, em princípio, a estrutura da encíclica Redemptoris Missio – são as seguintes: o fim e a natureza da evangelização, as suas áreas e horizontes (ou seja, a quem e aonde se destina a acção missionária; o contexto no qual se desenvolve tal actividade); os percursos da evangelização (as modalidades através das quais ela se explica); os responsáveis pela evangelização e as dimensões espirituais do missionário. Considero que as temáticas sobre a evangelização/missão “ad gentes” se foram enriquecendo ao longo dos anos, com diferentes matizes, segundo os diversos contextos políticos, sociais, religiosos e institucionais no qual o Instituto e os seus membros estavam a operar.

Naturalmente, dever-se-ia estudar a história geral da evangelização no Instituto para se ter uma visão geral dos temas em causa. No entanto, acho que seja possível estudar estas mesmas questões no que “é a suprema autoridade do Instituto, exercida de maneira extraordinária e colegial, e [que] exprime a participação de todos os missionários na sua vida” (Regra de Vida n . 146), a saber, os Capítulos Gerais e ver como elas foram elaboradas ao longo dos anos.

Duas notas, para concluir. Os temas de cada Capítulo são precedidos de uma breve descrição (necessariamente incompleta) do mundo político-eclesial, e da situação das missões combonianas: o contexto “situa” o Capítulo e dá-lhe as coordenadas históricas que, embora parcialmente, explicam as suas decisões.

Ao longo dos textos, as palavras “evangelização ad gentes”, “evangelização”, “actividade missionária”, “acção missionária”, “missão” são praticamente intercambiáveis e usadas com o mesmo significado.

Para ler o artigo completo, em italiano, clicar aqui.


Ir. Artur Fernandes Pinto, missionário comboniano, na África do Sul.


Os dezasseis missionários combonianos filipinos, depois de 25 anos de presença comboniana na Ásia.