A fé e o serviço são os temas da Palavra de Deus deste domingo. Podemos deter-nos mais sobre o primeiro ou sobre o segundo aspecto, mas no fim percebemos que as duas virtudes caminham juntas. O serviço é a medida da fé. [...]
Elogio da fé pequena e do serviço humilde
“Aumenta em nós a fé!”
Lucas 17,5-10
A fé e o serviço são os temas da Palavra de Deus deste domingo. Podemos deter-nos mais sobre o primeiro ou sobre o segundo aspecto, mas no fim percebemos que as duas virtudes caminham juntas. O serviço é a medida da fé.
O poder da fé
Os apóstolos disseram ao Senhor: «Aumenta em nós a fé!». O Senhor respondeu: «Se tivésseis fé do tamanho de um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: “Arranca-te e vai plantar-te no mar”, e ela vos obedeceria».
A fé está no coração da Palavra deste domingo. Encontramo-la nas três leituras. Na primeira leitura (Habacuque 1,2-3;2,2-4), à oração do profeta Habacuque, que pergunta “até quando, Senhor, clamarei por socorro e não escutas?”, Deus responde: “o justo viverá pela sua fé”. O evangelho sublinha uma fé humilde, que se reconhece sempre pequena e insuficiente. Sem a ilusão de possuir a fé dos “grandes crentes”!
Fé (pístis) e crer (pisteúō) aparecem muitas vezes no Novo Testamento, mais de 240 vezes cada um. No Antigo Testamento, o crer é expresso com um verbo que tem a mesma raiz da palavra AMÉM, que significa: “apoiar-se em Deus”, como numa rocha firme e sólida.
Hoje os apóstolos fazem uma oração belíssima: “Aumenta em nós a fé!”. Semelhante à do pai que pede a Jesus que cure o filho: “Creio; ajuda a minha incredulidade!” (Mc 9,24). Uma oração que certamente todos nós partilhamos, porque é essencial para ser discípulo de Jesus. Ela brota espontânea dos lábios dos Doze como reação à sua impotência diante da exigência de Jesus de perdoar o irmão até sete vezes ao dia.
A resposta de Jesus pode parecer desconcertante e desanimadora, quase como uma repreensão à pouca fé dos pobres apóstolos. Nem teriam uma fé tão grande quanto um minúsculo grão de mostarda, considerada a menor de todas as sementes. Mas eu diria que as palavras de Jesus são antes um inesperado elogio ao poder da fé. Com efeito, ela é capaz de arrancar uma árvore centenária, como a amoreira ou (talvez) o sicómoro, ambos com raízes profundíssimas e difíceis de arrancar. São um símbolo do que é estável e inamovível — precisamente para evidenciar a força extraordinária da fé. “Tudo é possível para quem crê” (Mc 9,23).
Sem a fé não podemos viver, como cristãos e como pessoas. A fé não é só confiança em Deus, mas também confiança na beleza da vida, na bondade das pessoas, no futuro da história. É confiar no outro, fundamento de toda relação e convivência humana.
A fé é dom. Um dom natural que se manifesta na confiança espontânea que temos na vida. Dom sobrenatural que nasce da escuta da Palavra de Deus. Contudo, a graça da fé não deve ser considerada garantida. Jesus deixou escapar uma exclamação muito intrigante e perturbadora: “Mas quando o Filho do homem vier, encontrará fé sobre a terra?” (Lc 18,8).
Este dom pode enfraquecer-se, diminuir até desaparecer. Esperamos que isso não aconteça de forma irreparável, para sempre. São Paulo diz ao seu discípulo predileto Timóteo (segunda leitura): “Recordo-te que reanimes o dom de Deus que está em ti”. Para dizer “reanimes”, usa um verbo grego (anazōpurein) que aparece apenas duas vezes na Bíblia e significa reavivar o fogo sob as cinzas. Sem uma atenção constante, as cinzas da incredulidade podem sufocar a chama da fé.
Então, uma oração brota espontânea do nosso coração: Vem, Espírito Santo, Sopro de vida, vem e sopra sobre as cinzas que cobrem a nossa fé.
Somos servos inúteis?
A segunda realidade que emerge da Palavra é o serviço. Um serviço humilde, de servos, como diz Jesus na segunda parte do trecho do Evangelho:
Quando tiverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: “Somos servos inúteis. Fizemos o que devíamos fazer”.
A expressão “servos inúteis” pode parecer desrespeitosa em relação ao nosso serviço. Ninguém se considera um “servo inútil”. Na realidade, a tradução não parece precisa. Melhor seria traduzir “servos não necessários” ou “simples servos”. Todos podemos ser úteis, mas ninguém é necessário. Exceto o Servo por excelência, Jesus, que se apresentou entre nós como aquele que serve (Mc 10,45). Ninguém pode orgulhar-se do serviço que presta. No fundo, tudo é dom de Deus. “Que tens tu que não tenhas recebido?”, pergunta-nos Paulo (1 Cor 4,7).
Na verdade, é para nós uma honra ser servos do Senhor. Na Escritura, “servo” é um título honorífico, quando colocado em relação a uma grande personagem. Imaginemos então ser servos de Deus! Figuras como Moisés, Davi, os profetas, os apóstolos são chamados “servos do Senhor”. No ser servos não perdemos a nossa dignidade, mas recuperamo-la. Jesus expressa isso bem noutra passagem: “Felizes os servos que o senhor, ao chegar, encontrar vigilantes; em verdade vos digo, ele se cingirá, fá-los-á sentar à mesa e, passando, os servirá” (Lc 12,37).
Para a reflexão e oração pessoal
Vem, Espírito de Deus, sopra sobre as cinzas que cobrem a minha fé:
– as cinzas de uma fé moralista e rotineira,
– as cinzas de uma fé oportunista num «Deus-tapa-buracos»,
– as cinzas de uma fé caprichosa, infantil,
– uma fé que faz exigências, do «tudo já»,
– as cinzas de uma fé derrotista, resignada, triste, desiludida,
– uma fé apagada, vivida sem paixão, que já não espera nada!
Vem, Espírito de Fogo, reaviva a minha fé e torna-a:
– uma fé humilde, vivida no serviço, como Jesus meu Senhor,
– uma fé em caminho, que aceita limites e fragilidades,
– uma fé que não se escandaliza com os pecados alheios,
– uma fé que não desiste, apaixonada e contagiosa,
– uma fé para tempos de crise, não fundada em apoios externos,
– uma fé que se abandona ao Mistério, sem pedir tantos porquês!
Espírito, Dom inefável do Pai, dá-me o dom da fé:
– a fé do centurião, a quem basta uma só Palavra,
– a fé da cananeia que não se cansa de bater ao coração de Cristo,
– a fé da pecadora que chora os seus pecados aos pés do Mestre,
– a fé da mulher a quem basta tocar a orla do manto de Jesus,
– a fé de José, que obedece a Deus no silêncio,
– a fé de Maria, que se proclama a serva do Senhor!
P. Manuel João Pereira Correia, mccj