In Pace Christi

Nobili Giovanni

Nobili Giovanni
Data de nascimento : 04/06/1940
Local de nascimento : Sondrio/Italia
Votos temporários : 09/09/1961
Votos perpétuos : 09/09/1964
Data de ordenação : 26/06/1965
Data da morte : 12/04/2016
Local da morte : Kampala/Uganda

O P. Gianni Nobili, nascido em Sondrio a 4 de Junho de 1940, faleceu repentinamente em Kampala, dia 12 de Abril passado. Foi sepultado no noviciado de Namugongo, ao lado dos Mártires do Uganda.

Reproduzimos o belo testemunho escrito do P. Alex Zanotelli. O necrológio completo surgirá no «In Memoriam».

«Meu irmão, meu companheiro de trabalho e de luta», escrevia Paulo de Tarso de um seu estreito colaborador. São as mesmas palavras que hoje poderei usar a respeito do P. Gianni Nobili. Para mim, Gianni foi um verdadeiro irmão, um companheiro extraordinário de trabalho missionário, mas também de empenho, de luta. Um homem de uma extraordinária humanidade, com uma excepcional carga humana que lhe provinha de uma profunda fé em Cristo Jesus. Um homem que sabia arriscar para abrir caminhos novos para a missão. Um bom exemplo disso é o facto de em 1991 ter tido a incrível coragem de deixar o seu trabalho no Congo para vir viver comigo, no inferno do Korogocho. A 14 de Janeiro de 1990, depois de dois anos de espera, eu tinha ido viver numa barraca de Korogocho, para sentir na minha pele o que significava viver “no inferno”. Durante mais de um ano vivi só: nenhum comboniano tinha coragem de vir partilhar comigo aquela experiência, que a muitos parecia uma loucura. Foi Gianni (com licença dos responsáveis) que aceitou vir para Korogocho. Foi também para ele um baptismo muito duro: o baptismo dos pobres. “Se a lama não te cai em cima, se não a pisas, se não te rodeia, se não te envolve corpo e alma (falo de lama física e moral), também não saberás apreciar o dom da salvação e da liberdade que o Senhor nos concedeu – escreve o P. Gianni numa das suas cartas de Korogocho. Para já não falar de vocação e de sacerdócio! A enorme quantidade de privilégios, em termos de educação, liberdade e cultura, que acumulámos na nossa vida, obrigam-nos a partilhar de modo bem mais radical o que somos. As meias medidas tornam-se uma piada”.

E fê-lo com humanidade, uma solidariedade e uma amizade extraordinárias. Poderia resumir a nossa vida em Korogocho a dois abraços que nunca mais esquecerei. O primeiro aconteceu a 15 de Dezembro de 1991, no meu regresso do Capítulo dos combonianos. Cheguei durante a celebração eucarística e depus nas suas mãos um raminho de visco natalício dos seus montes. Ele deu-me um abraço tão caloroso de boas-vindas, que a comunidade cristã explodiu em cânticos, trilos de alegria e de festa! A partir daquele dia caminhámos juntos durante quase dois anos (não foi fácil para Gianni, cuja saúde era bastante frágil).

Gianni foi fundamental para iniciar as pequenas cooperativas para os mais desesperados de Korogocho. Jogou um grande papel na criação da coopertativa dos recolectores de lixos na lixeira do Mukuru, precisamente diante de Korogocho. E foi sobretudo ele que propiciou a chegada, em 1993, daquele formidável missionário leigo, Gino Filippini, com o qual tinha trabalhado no Congo (considero Gino Filippini e Annalena Tonelli as duas mais esplêndidas figuras de missionários leigos italianos do pós-guerra; Gino faleceu de mesotelioma, contraído no trabalho na lixeira!). Gianni foi também um apaixonado apoiante do empenho dos leigos na missão, que propiciou a chegada de um grupo de leigos que deram uma notável ajuda nas cooperativas.

Mas Gianni foi para mim sobretudo um companheiro de viagem com aquela sua extraordinária humanidade que me apoiava nos momentos difíceis. Não posso esquecer os momentos belos passados juntos a comer um pouco de alimento no coração da noite, seguidos por aquelas longas conversas. E depois, aqueles momentos mágicos de oração no coração da noite, rezando os Salmos de Turoldo. Gianni tinha, além disso, a capacidade de tomar decisões mesmo muito arriscadas. Recordo em especial a decisão de abandonar a barraca onde vivíamos no complexo da escola informal – um lugar relativamente seguro – para ir viver no coração do bairro de lata, um lugar que as pessoas consideravam muito perigoso. Decidimos juntos mudar-nos para uma outra barraca em Grogon, contra a opinião da comunidade cristã que temia pela nossa vida. De facto, uma noite – é a primeira vez que ponho isto por escrito – um bando de seis-sete meliantes, com um tronco de árvore, arrombaram a porta da barraca e correram para junto da cama do P. Gianni, com pistolas e facas, pedindo-lhe dinheiro. Não se tinham apercebido que noutro canto do compartimento estava também eu. Com o coração aos pulos, sem saber que fazer, levantei-me, peguei na lanterna e atirei-a com força contra o tecto de zinco, gritando: “Mwizi! Mwizi!” (Ladrões! Ladrões!). Não sabendo o que estava a acontecer, os ladrões puseram-se em fuga.
E nós dois atrás deles para tentar trancar a porta o melhor possível. Tendo-se apercebido do engano, os meliantes voltaram tentando arrombá-la. E nós tentando defender-nos barricando-a. Com um apito procurava chamar a atenção das gentes. Aquela foi a meia hora mais dramática da minha vida. Com a chegada das gentes, os meliantes desapareceram.
E Gianni deu-me um outro abraço, agradecendo-me porque o tinha salvado. Um abraço rico de humanidade, ternura e amizade. É este abraço que, por telefone e entre lágrimas, pedi à irmã de Gianni, Mariolina, para dar ao P. Gianni, antes de o depor na urna em Namugongo (Uganda), onde será sepultado.

Obrigado Gianni, “meu companheiro de trabalho e de luta”, porque foste para mim um “irmão” e porque entregaste a vida pelos povos da África. Que a tua vida, dada e doada, possa “regenerar” aquela terra que agora te acolhe no seu seio».