Domingo, 28 de Outubro de 2018
O missionário comboniano português, P. José Carlos Mendes da Costa tem o seu natal no dia 24 de Janeiro de 1947, na aldeia de Nogueira do Cravo, concelho de Oliveira do Hospital, diocese de Coimbra, no sopé da Serra da Estrela; é baptizado na igreja paroquial da sua terra a 13 de junho desse ano.

Nasce num meio rural, de uma família numerosa, cinco irmãos e três irmãs, de laços fortes, gente das Beiras, activa e empreendedora, a quem se sente ligado, por quem sempre se sente inspirado. Enquanto as irmãs se desposam com os labores da casa e da terra, e os dois irmãos mais velhos se metem no negócio e no exército, ele e o irmão mais novo podem continuar os estudos e ir para Coimbra fazer o liceu.

O Sr. Nina, assim é conhecido o pai António da Costa Nina, consegue mandar os dois filhos para Coimbra, graças ao trabalho, ao cultivo das terras e aos rebanhos. A mãe, a senhora Glória da Assunção Mendes, a quem o José Carlos se sente muito ligado e a quem recordará sempre pelo testemunho da fé dela recebido, governa a casa e segue, com afecto e amor, o percurso dos filhos.

Completados os estudos liceais, o José Carlos ruma a Lisboa. É um jovem inteligente e intuitivo, sonha com um futuro melhor. Para o realizar e conseguir continuar os estudos universitários, tem que contar com a sua iniciativa e o seu trabalho. Consegue entrar para a função pública. Empenha-se no caminho de fé, na paróquia onde fixa residência (Arroios) e é aqui que o Senhor Jesus lhe deita a rede e lhe abre um horizonte novo e inesperado. O momento de graça é um encontro missionário na paróquia que entusiasma o jovem José Carlos e o faz orientar para a vida missionária.

É o ano de graça de 1968 e o discernimento vocacional é feito com paixão, com a velocidade de um amor generoso na resposta. A surpresa dos seus irmãos e amigos é grande: ele é uma pessoa extrovertida, alegre, intensa, que gosta de viver e a sua decisão causa surpresa. A única que não se surpreende é a mãe, que dá graças a Deus pela decisão do filho e o acompanha com a sua presença materna e oração.

A 1 de Setembro de 1968 o José Carlos aterra em Moncada, Espanha, juntando-se ao grupo dos noviços portugueses e espanhóis que começam o noviciado nesse ano. Nem tempo tem para se refazer do susto e da surpresa que enfrenta no ambiente que encontra, totalmente novo para ele. Enquanto os outros noviços portugueses provinham do seminário menor, tinham feito um longo tirocínio que os preparava para as surpresas do noviciado, ele vem da “calle”, como outros noviços espanhóis, e sente as dificuldades do ajustamento aos ritmos de vida do noviciado. A amizade, com Jesus e os colegas, o sonho missionário, sustentam-no nesta fase de generosidade e entrega.

A entrega sigila-se, com a primeira profissão religiosa, a 15 de Agosto de 1970. Ele permanece mais um ano em Moncada, desembaraçando-se dos estudos de filosofia e a 1 de Julho de 1971 é mandado para o Seminário Comboniano da Maia, para ajudar na formação dos seminaristas como prefeito e fazer os estudos teológicos no Porto (com os Capuchinhos, no Ameal, na altura frequentado já por outros prefeitos combonianos da Maia). É um jovem intenso, vive a correr, apaixonado pela vida e pela vocação missionária, dividindo o seu tempo entre o acompanhamento dos seminaristas, as aulas de teologia e as iniciativas da animação missionária e de promoção vocacional entre os jovens. São anos de ouro, no seminário comboniano da Maia, vive-se intensamente, com paixão, e algo pode correr o risco de ficar para trás (habitualmente, os estudos). Por isso, ele pede um período no escolasticado (de Roma, onde é destinado de 1 de Julho de 1973 a 30 de Junho de 1975), para poder completar os estudos de Teologia, livre da pressão do trabalho. Faz a profissão perpétua em Roma, a 13 de maio de 1974, e é ordenado sacerdote a 11 de março de 1975, regressando a Portugal, com destinação à província portuguesa para o trabalho na Editorial Além-Mar. Provincial de Portugal na altura é o Pe Ramiro Loureiro da Cruz. Os tempos são difíceis, estamos no rescaldo da Revolução de Abril (25 abril de 1974), e o Pe Ramiro pretende segurar o trabalho da editorial, preparando a substituição do histórico diretor, o Pe Carlos Neves Sobrinho, que aguentara a revista Além-Mar durante os últimos, difíceis para os combonianos, anos do regime salazarista.

Em Lisboa, o P. José Carlos inscreve-se na Escola Superior de Jornalismo (do ISLA) e lança-se nos trabalhos da editorial e da animação missionária. A cidade é-lhe familiar, muitas coisas estão a mudar com o 25 de Abril, mas ele sente-se à vontade, movido pela sua generosidade e pelo sonho missionário que o anima. No ano seguinte, em setembro de 1976, junto-me a ele no trabalho das revistas. Sigo os seus passos, inscrevendo-me na escola de jornalismo, mas em novembro desse ano aguarda-nos uma surpresa: a escola de jornalismo acaba encerrada, na sequência de uma acção dos estudantes para autogerirem a escola.

O P. José Carlos não se descompõe por este contratempo e, em 1977, propõe aos superiores que eu (que entretanto começara a escrever na Além-Mar e no jornal Expresso) assuma a direção e ele assuma a administração, empenhando-se a dar um contributo na paginação da Além-Mar (que nesse tempo era feita com a tesoura, corta e cola os textos alinhados pela novidade de uma máquina da IBM, que compunha os textos a granel). A dupla estava feita e a paixão da acção continuava a motivar o P. José Carlos, numa característica que marca estes anos da primeira destinação a Lisboa e ao trabalho da animação missionária. Esta termina em 1 de dezembro de 1981, ano em que é destinado ao Quénia, onde permanece até 1 de julho de 1990.

Esta primeira destinação, ao Quénia, põe à prova o seu sonho missionário, a sua capacidade de se relacionar, de fazer amizade: ele é destinado à missão mais isolada, na altura, a Moyale, na fronteira do Quénia com a Etiópia. Nesses anos a fronteira estava fechada e não podia haver contatos com os combonianos mais vizinhos, os que trabalhavam em Awasa, no sul da Etiópia. A viagem de Nairobi a Moyale, feita com os meios próprios, tinha custos notáveis, não se conseguia fazer num dia, e o estado da estrada nas zonas semi-desérticas do nordeste do Quénia era calamitoso.

Os missionários combonianos têm nesse tempo e nesta zona duas missões, com duas comunidades: Moyale, na fronteira, e Sololo, onde gerem um pequeno hospital, para a assistência sanitária das populações borana. A atenção missionária vai para as populações islamizadas e as possibilidades de trabalho apostólico são exigentes, difíceis. Cuida-se da pequena comunidade cristã, formada sobretudo por funcionários públicos e professores, pessoas vindas de outras localidades do Quénia e que são cristãos em bom número. Os missionários e as missionárias (há também uma comunidade de missionárias combonianas em Moyale) dividem a sua atenção entre a população carenciada, o seguimento das comunidades cristãs, a atenção à formação dos responsáveis e catequistas, às pequenas iniciativas de diálogo e boa vizinhança com os muçulmanos, à ajuda aos pobres e doentes que levam e acompanham ao hospital. O P. José Carlos sente-se mais chamado à acção, à organização, à iniciativa, quando solicitada pela situação concreta das pessoas, pelas carestias.

É nesta missão onde os nossos passos se voltam a cruzar, ao ser eu também destinado ao Quénia, em fins de 1983. Até 1988, tenho oportunidade de o visitar várias vezes, procurando acompanhar os irmãos missionários do CIF de Nairobi que, durante o período de vida apostólica nas missões, são colocados em Moyale e Sololo.

Nestes anos o P. José Carlos cresce apaixonado com a vida missionária; por carácter, está mais interessado na acção do que na reflexão; gosta mais de uma reflexão partilhada, em conversa por vezes apaixonada, do que de uma reflexão pastoral teórica; sente-se vibrar na acção e nas respostas que é capaz de dar, a pessoas e situações, com os meios limitados que tem; prefere a amizade ao proselitismo e à intolerância; supera as dificuldades na aprendizagem das línguas, com a linguagem do afecto e do coração.

Em março de 1988 é destinado a Makindu, na estrada de Nairobi a Mombaça, na diocese de Machakos, entre o povo kamba: trata-se de um ambiente com comunidades cristãs mais consistentes, um contexto que o ajuda a crescer como sacerdote missionário, na atenção às comunidades cristãs, à vida sacramental, na formação de catecúmenos e baptizandos, no acompanhamento de pessoas, jovens e comunidades. Este percurso é interrompido em 1990, com a destinação a Portugal, de novo á administração das revistas, uma atividade em que ele se insere sem dificuldade.

O seu percurso de missionário volta a crescer com a destinação a Moçambique, a 1 de julho de 1997. Em Mueria, onde é colocado, ele volta a conjugar a sua capacidade de acção e organização, com a atenção mais missionária ao caminho de fé das pessoas e das comunidades. A língua e o sentido de proximidade ao povo moçambicano ajudam-no neste crescimento e nesta capacidade, prodigando-se no acompanhamento das comunidades cristãs de Mueria e Nacala, e, depois de Nampula. Cresce também na sua identidade comboniana, dando o seu melhor à vida da província e das dioceses, nas tarefas de administração que também assume.

No ano de 2007, em julho, é destinado de novo a Portugal e em vistas da administração das revistas. Ele regressa, com o interesse de sempre, mas sente também o desconforto e a dificuldade da re-inserção: as mudanças ganham maior aceleração, ele descobre-se impreparado para elas e a saúde começa a abrir brechas.

Numa viagem de Lisboa para Coimbra sente os primeiros sintomas de uma crise cardíaca que o vai deixar marcado. É cuidadosamente assistido pela sobrinha médica (D.ra Emília Nina) mas tem que dizer adeus à administração e ir para a comunidade de Vila Nova de Famalicão. Aqui, com os limites do coração e do diabete, tem uma estação de florescimento espiritual e missionário, no acompanhamento das pessoas e no atendimento das confissões. Continua a amar a vida com paixão, a interessar-se pela organização da comunidade, pela cozinha e o prazer do colhimento à mesa. Mas o Senhor Jesus surpreende-o, sobretudo, com uma estação intensa de bem fazer, de aproximação a Ele e aos irmãos, no exercício do ministério e na ajuda espiritual. Um irmão de comunidade neste tempo (o P. José Arieira), lembra que ele, “apesar da doença, procura ser sempre fiel à oração e ao trabalho que a comunidade lhe confiou. Mesmo nos momentos mais delicados nunca deixou de enfrentar com frontalidade os problemas, seja da comunidade como da província.”

O Senhor Jesus prepara-o, assim, para esta nova etapa da sua missão, marcada pelo sofrimento causado pela descoberta do tumor que mina abruptamente a sua saúde. A Páscoa anuncia-se no horizonte da sua vida, sempre luminosa, pois ele continua a sentir a alegria de viver, a sentir-se perto do Deus da Vida. Ao P. Jeremias Martins, que o visita em julho para lhe assegurar a proximidade dos membros da Direcção Geral do Instituto, ele confidencia: «Jeremias, já me pus nas mãos de Deus. Seja feita a sua vontade!». E ao P. Arlindo Pinto, que o visitara em Abril, no contexto de uma situação de sofrimento familiar (a morte da sobrinha Zaida), ele confidencia: “Estou nas mãos do Senhor! Confio tudo a Ele. Só tenho é que dar graças a Deus por tudo, por tudo.”

Ele persegue o seu sonho missionário, com o empenho e a dedicação de sempre, no amor a Deus, cujo rosto vislumbra no meio do sofrimento que marca o ritmo das suas horas e dos seus dias. Mantém a serenidade, o sentido de comunhão com o Senhor e os irmãos na comunidade e na província, a amizade com todos, até ao momento em que o seu respiro se apaga e o seu olhar se transcende, na tarde do dia 4 de setembro de 2018, numa Páscoa anunciada com tanto sofrimento e marcada pela saudade deixada nos familiares, nos colegas missionários, em quantos o conheceram.

O P. Manuel Pinheiro, colega desde os tempos juvenis, recorda-o, assim por todos nós: “Gostei muito de ver a serenidade e a fé com que enfrentou a doença. Fica-me na memória a imagem do homem que deu tudo o que tinha pela missão. Agradeço a Deus o facto de o ter tido como colega, amigo e irmão muito querido. Estou certo que estará agora a gozar da paz que só ELE pode dar”.
[P. Manuel Augusto Lopes Ferreira, mccj – in
Combonianum]