Quinta-feira, 14 de Setembro de 2023
Somos todos muito diferentes, até no modo de contarmos o tempo, ou melhor, de celebrarmos o tempo. Por exemplo, a Etiópia iniciou o primeiro dia do mês de Meskerem do novo Ano de 2016 – para nós – dia 12 de Setembro de 2023. Porquê 2016? É o P. José Vieira, missionário comboniano português, que nos explica desde a Etiópia, onde se encontra a trabalhar.

As contas do tempo

Para ti que me lês hoje é dia 12 de Setembro de 2023. Um dia de fim de verão. Para os etíopes — e para mim que com eles partilho o diário viver — hoje é o primeiro dia do mês de Meskerem do ano de 2016, o Ano novo etíope, que a liturgia nacional dedica à solenidade de João o Precursor, São João Batista no santoral católico.

A Inkutatash é o símbolo do Ano Novo. Uma flor silvestre amarela que pinta de alegria a paisagem da Etiópia nesta altura do ano. Nas montanhas, onde vivo, a flor desponta mais tarde.

A celebração do Ano Novo começa na véspera com uma grande fogueira à volta da qual se canta e dança a alegria do tempo novo prestes a chegar. Desejam-se mutuamente «Melkam addis amet», Feliz ano novo em amárico. Ou o equivalente nas línguas vernaculares.

Para celebrar o Ano Novo, as pessoas alindam-se com as roupas tradicionais das respetivas culturas. As meninas prendem inkutatash de plástico nos cabelos ou nas orelhas. Também usam a flor amarela bordada nos vestidos longos de algodão. As construções são decoradas com flores gigantes, fitas amarelas e balões, amarelos e pretos na predominância.

Os miúdos e os jovens juntam-se em bandos a cantar «Minha flor, minha flor, tu és linda» enquanto dançam e pedem dinheiro. Fazem-no de casa em casa ou nas estradas, parando o tráfico.

Os cristãos começam o ano nas respetivas igrejas. A maioria são ortodoxos. Celebram a divina liturgia a partir madrugada, transmitida através de altifalantes.

Depois de louvar o Senhor do tempo pelo dom de mais um ano, vão para casa celebrar à volta da mesa ou de uma travessa gigante. O chão da sala é adornado com erva grossa da família do junco. Carne de vaca, galinha e ovos (cozinhados em molho picante) e cerveja local são parte da ementa festiva. E café.

Porquê 2016? Os etíopes, na maioria cristãos ortodoxos, não aceitaram o calendário universal que foi promulgado pelo Papa Gregório XIII em 1582 para corrigir algumas discrepâncias do calendário juliano, o contador em uso. Seguem ainda o calendário do imperador romano.

Estamos em 2016 e começarmos o ano normalmente a onze de Setembro — este ano inicia-se um dia mais tarde, porque Fevereiro tem vinte e nove dias e, por isso, o mês de Pagumé, o décimo terceiro mês do calendário etíope, tem seis dias em vez de cinco. O calendário etíope é formado por doze meses de trinta dias, mais o Pagumé para não perder mais dias para o calendário geral.

Quando cá cheguei pela primeira vez, há trinta anos, a Etiópia autopromovia-se como o país de «Treze meses de sol». Agora apresenta-se como «Terra das origens».

Além disso, as zero horas correspondem às seis da manhã. Mais ou menos a hora do nascer do sol.

Outras peculiaridades do Calendário Etíope: o Natal é a sete de Janeiro, o Batismo do Senhor (Timket) a dezanove do mesmo mês (este ano, porque celebra-se a vinte por ser ano bissexto), a Páscoa de 2024 vai ser a cinco de Maio (mais de um mês depois da Páscoa do calendário universal), a Assunção de Nossa Senhora celebra-se a vinte e dois de Agosto, a festa da Santa Cruz a vinte e oito de Setembro.

É normal que povos diferentes tenham modos diferentes de contar o tempo. Melhor: modos diferentes de celebrar o tempo. John Mbiti, o filósofo queniano, que também era pastor anglicano, nota com precisão que «em África o tempo não se conta. Faz-se.»

Feliz Ano Novo!

P. José da Silva Vieira